13 de agosto de 2013

Relato: "Para o que a minha experiência servir, estarei aqui disposta a contar"

"Saudade dessa barriga de 40 semanas!"

Lembram da Lorenna? Há um mês recebi uma mensagem de uma leitora me perguntando sobre o segundo filho dela. Claro que a convidei novamente, pra trazer sua história pra nós e, mais uma vez, foi um presente! Há quem prefira não falar... mas há quem veja o tesouro que é compartilhar experiências!

Eu já me peguei pensando que não sei o que é mais bonito: se os partos e seus relatos ou as jornadas, os passos dados, as escolhas feitas pelas mulheres. Todo o trabalho interno de desenrolar fios, de conhecer-se... mais e melhor. Quando lemos um relato, ele é uma ínfima parte, só um petisco, de toda a caminhada feita na essência...  E isso é lindo, isso é o que fica. Isso é a própria vida. Depois que o relato ganha forma e vai embora, ficam os ganhos adquiridos, ficam os degraus que subimos... nesta incessante jornada rumo ao que é Eterno...

Acredito que histórias como a da Lorenna são exemplos da falta que faz o profissional humanizado, o profissional que trabalha baseado em evidências científicas. Em Rondônia somos muito carentes deste serviço. Afinal, a jornada por um nascimento respeitoso e digno é somente da mulher? É uma caminhada solitária em que o médico é mero espectador e, muitas vezes, o boicotador? Não! O médico aqui talvez tenha sido a 'mão-dada' que faltou. Foi o 'confia, eu te apoio' que não veio. Foi o 'vamos? eu vou contigo' que não teve... a parcela que cabe ao médico, a parte da conta que deveria ser paga pelo profissional de saúde, já que ele é nossa reserva de cautela. Ficam lágrimas, mas fica a vivência, fica a jornada de fé, ficam as dores e as delícias de viver o que mais importa: o Amor.

Gratidão pelo privilégio de fazer parte disto tudo e parabéns pela corajosa jornada...

<3

Quando meu mais velho estava prestes a completar 3 anos, percebemos que havia chegado a hora, vamos ter mais um bebê!! Uma coisa era certa, não iria ser como foi na primeira vez, que não escolhi nada, não lutei por nada, me deixei levar. Como se para nascer uma mãe, bastasse estar grávida e deixar vir ao mundo da forma que fosse, e tudo estaria certo!

Com 39 semanas decidi que era hora de parar, desacelerar e entrei com meu pedido de licença maternidade. Não queria ter horários para acordar, dormir, almoçar, queria deixar rolar, queria ser só do meu bebê, estava apenas à sua espera, estava entregue a ele, para qualquer hora que ele quisesse chegar eu estivesse ali, aonde deveria. Queria estar em casa, de vestido e não de calça, descalça e não de sapatos! Queria dar atenção ao meu pequeno de 4 anos, avisar quem estava chegando, brincar com ele!! Arrumei todas as coisinhas aos poucos, sem pressa, pensei em todos os meus passos, o que faria se....tudo acontecesse!!! Repassei com meu marido tudo que até aquele momento tinha aprendido, lido, me informado.

Até essas 39 semanas tinha feito tudo diferente da minha primeira gravidez (que não fiz nada!). Participei de cursos, roda materna, li livros que comprei ou peguei emprestado, estava conhecendo um mundo sobre nascimentos que mal sabia que existia. Entrava madrugada adentro lendo relatos de partos, assistindo partos, e me emocionava a cada nascimento, é um espetáculo a parte, íntimo, queria um para mim!

Nesses encontros de grávidas, conheci pessoas incríveis que já tinham passado por essas experiências, com toda dedicação esclareciam, incentivavam, derrubavam mitos que a gente cria e escuta por aí! Nas reuniões da roda materna, percebi que ainda tinha muitas dúvidas sobre aonde seria o parto, qual hospital? Aqui em Porto Velho, Rondônia, só havia um que teria uma sala para parto normal adequada, apesar de o meu médico ter falado que o parto poderia ser até no apartamento de tudo estivesse evoluindo bem. Também tem a maternidade municipal que na época visitei, e achei o máximo, porém algumas coisas fez com que eu não escolhesse ir para lá, por exemplo: só poderia ter um acompanhante, aí eu teria que escolher entre meu marido e minha mãe, e eu queria os dois, também poderia pegar o plantão de qualquer médico. Queria pelo menos garantir que o médico que estivesse comigo, me conhecesse e soubesse o que eu queria para meu parto. Então decidi que iria ser no hospital particular mesmo, com o meu médico mesmo.....mas no fundo, me sentia meio só nessa caminhada...apesar do apoio que estava recebendo, precisava de alguém que estivesse na mesma sintonia que eu, que pudesse lutar comigo!! Aí recebi uma mensagem da Elis (Doula) uma das responsáveis pela criação do Grupo Buriti que realizava a roda, disse que me acompanharia se eu quisesse: "siiimmm, quero e muito", trocamos mensagens. É diferente saber que alguém que conhece todo o processo de trabalho de parto vai estar com você, só de pensar que ela estaria comigo, não me senti mais só, tive um renovo. Sou muito agradecida pelas mensagem que trocamos, enfim eu estava acreditando em mim!!

E a semana ia se passando....minha mãe chegou! Veio para passar 20 dias só comigo! Com ela, as coisas são tão mais fáceis, mais leves! Ela é meu aconchego! Minha sogra também já tinha chegado há 1 semana, e na próxima semana meu marido entrava de férias por 20 dias, mais 10 dias de licença paternidade, tínhamos combinado assim, ele também ia se envolver, diferente como foi da primeira vez!! A minha equipe formada!!

Minha mãe e minha sogra inventavam receitas e chazinhos com pouco de canela nesse começo!!Também estavam presentes nesses dias minha avó e a sogra da minha irmã, todos na sintonia, relatos de partos não faltavam. Dona Adenir pariu 8, minha vó 7, minha mãe 3, minha sogra 2, de tudo aconteceu nesses partos, nem todos bebês sobreviveram, e dá para saber porque muitas mulheres foram desencorajadas a terem seus partos, e esse medo foi passado adiante...elas sofreram violências, manobras, e intervenções que deixaram cicatrizes até na memória delas, pela forma de relatarem o que passaram!! Muito diferente dos partos humanizados que li, e que aí sim, foram de total respeito ao nascimento e à vida!!

E aí, chegaram as 40 semanas, eu me sentia o máximo, caminhava, agachava, levantava, me exercitava, prestava atenção no que comia, não tinha inchaço nem mal estar, conversava com o bebê (o Henrique), lembrava ele que eu estava a disposição dele, pronta!

Fazia minhas orações, minhas leituras, e conversava muito com uma amiga, uma irmã, que me lembrava que o controle de todas as coisas vem lá do alto, que os anjos estavam a minha disposição... "Porque aos seus anjos dará ordem ao seu respeito, para te guardarem em todos os seus caminhos" (Salmos 91.11).

Meu coração era só sossego, e o Henrique dentro de mim era só agitação. ele mexia muito, vigorosamente, sem brincadeira, ele conseguia empurrar as coisas que estavam encostadas na minha barriga, ai que saudade disso!!!

Contei para Elis que iria numa nova consulta, acho que a última, ela me alertou que ele iria querer marcar a cesariana. Por ele marcava mesmo, e olha que dizem que ele incentivava o parto normal, de verdade, não achei isso! Quem luta por isso é só a mãe, o médico não, apesar de falarem que é o melhor!

Ele quis analisar o colo do útero, e pediu que eu prestasse atenção se o bebe estava ativo, anotasse num papelzinho quantas vezes mexia durante uma hora após cada refeição. O útero estava amolecido e fino, ou seja, estava se preparando, não estava estagnado, ótimo! Naqueles próximos dias a lua ia mudar, e ele disse: acho que desse final de semana não passa!!Levei o papelzinho para casa, e perdi as contas de quantas vezes ele mexia, mexia demais, e larguei essa história de papel para lá, eram incontáveis as mexidas, teriam que ser mais de 20 vezes por dia....ultrapassava isso nos primeiros 10 min!!Fiquei pensando se isso era realmente necessário...ahh, ele também me pediu para ir na maternidade municipal no dia do plantão dele, para verificar os batimentos do bebe num aparelho (esqueci o nome) durante um minuto...fui para não dizer que não fui, pois eu sabia e sentia q tudo estava muuuito bem!!

Já era quinta-feira, e final de semana ia mudar a lua. A Elis tinha ido viajar e deixou o número da Paula (psicóloga) também do grupo Buriti. Traz paz só de olhar para ela! Nos falamos por telefone e, qualquer coisa, eu ligaria para ela! Continuei caminhando, tomando chazinhos de canela, agora mais concentrado rsrs! Pessoas ligavam para saber do menino, e a resposta era: “ainda” na barriga!!

Aí desejei muito que algo acontecesse nesse final de semana, falei com o Henrique, falei com Deus....pedi muito!! Sexta se foi, sábado, domingo...meu coração ia ficando apertado, meu semblante triste, respirava fundo várias vezes, já não falávamos de parto, de contrações, do que fazer se....
Já se passavam 41 semanas, fui para internet, fui atrás de um relato, uma explicação, uma solução, por incrível q pareça não achava nada, podia ter ligado para alguém, mas eu e minha dificuldade de pedir ajuda!!

Fui dormir, ou tentar, fiquei pensando, chamando pelo meu filho!! Acordei na segunda, com o coração pequeno, eu tinha me preparado e lido sobre tantas coisas que poderia acontecer, mas não tinha me preparado para chegar em 42 semanas, chegar na fase de risco, segundo o médico. Desde o começo eu nem cogitei isso, pois isso ocorre com poucas mulheres, e não me coloquei nesse grupo!! Ah, como era angustiante, queria minha mãe, meu colo, oramos juntas, choramos juntas!!

Percebi que havia receio de todos, medo de complicações, o clima começou a ficar diferente...nostálgico, nem receitas novas mais elas faziam, fiquei sabendo depois que minha irmã ligou até para meu médico, mas ele não atendeu! Aquela segunda-feira não podia terminar sem alguma decisão, meu marido veio até mim, pediu para que nós fossemos no dia seguinte no médico, eu concordei. Chegando lá ele falou a possibilidade de indução, já tinha lido, e não me imaginava fazendo isso, deitada, sorinho na veia, esperando o remédio fazer efeito, e despertar meu bebe. E eu monitorada,sei lá de quanto em quanto tempo....não, para mim soava mais coisa ruim do que boa!!

Todos queriam uma resposta, então cedi... e resolvemos marcar a cesariana. Aí ele me perguntou para quando, minha vontade era dizer: daqui 1 semana, mas não queria surtar a família que esperava ansiosamente em casa. Fica para amanhã então, dia 31 de Outubro, dia das bruxas. Todos vibravam, o sorriso voltou a reinar no rosto das pessoas. Naquela noite desejei mais do que nunca a vinda do meu bebe, mas ele dormiu tranquilo e não houve nenhuma mudança. Pela manhã arrumamos as coisas, dei um cheiro profundo no meu pequeno que ficava com a vó, e disse: "volto logo, com uma surpresa para você, te amo". 
E como sempre ele responde com toda doçura e sorrindo: "eu também te amo".

Chegamos no hospital umas 9h, fomos para o apartamento, e tudo me incomodava, eu me sentia no lugar errado, me sentia traindo a mim mesma, traindo as mulheres e mães do grupo! Não disse nada a ninguém, o coração estava apertado, chorei com meu marido!! Queria que o mundo conspirasse contra aquilo, e algo desse errado, os médicos não fossem, que acabasse a energia, sei lá! Duas horas depois do combinado mais ou menos 12h, o meu médico liga falando que não achou nenhum pediatra nem anestesista, será a conspiração?!! Adiamos para 16h, olha Henrique, essa é a hora!!! Mas Henrique estava mais preocupado em mexer suas perninhas!

Fomos para o centro cirúrgico, desligaram o ar, recebi a anestesia. Estava com muito medo, e ainda meu marido não tinha entrado, achei que fosse passar mal, coloquei a mão no rosto, logo amarraram minhas mãos, putz!, o que eu poderia fazer demais?? Meu marido chegou, e respirei mais fundo, e resolvi fechar os olhos, tapar meus ouvidos para aquelas conversas absurdas diante do acontecimento, para eles tanto faz o que está tirando, um bebê, uma vesícula, um apêndice!! 

Entrei em oração, me concentrei, falei com Deus, lembrei dos anjos, eles estavam ali, me cuidando, lembrei do amor de Deus, do amor que lança fora o medo! Na mesma hora, senti a presença deles, Deus era comigo!!Nunca tinha sentido tamanha paz, eu parecia estar dormindo, eu estava nas mãos Daquele que me criou e fez brotar vida dentro de mim! E uma coisa Ele me atentou: o receba com alegria, o seu milagre!!

O mínimo que poderia fazer pelo meu filho nesse momento era demonstrar o tamanho da minha alegria pela sua chegada. Meu coração se inflou novamente...foi quando seu choro forte me fez despertar! Ele era lindo, a cara do irmão, tinha o peso e altura do irmão, só que com o narizinho achatado, pois estava bem encaixadinho. Chegou chorando, de olhos abertos, fazendo xixi e cocô! Aí o trouxeram pertinho de mim, falei baixinho com ele, os olhinhos dando aquelas piscadinhas bem lentas, ele se acalmou, prestando atenção na voz, que ele conhecia! Pedimos para que ele ficasse conosco ali, mas não deixaram, ele tinha que trocar a roupinha, que doida essa mãe!!

Daí em diante, eu era só peito, só alegria, passamos a noite, eu, Henrique e vó Pupinha em claro, o leite já tinha descido, ele já mamava, e eu me doava, foram dois meses de peitos feridos, dia sim dia não no banco de leite, foi uma luta, porém era o peito de uma mãe muito mais forte do que antes, que não estava disposta a desistir por nada. Hoje está com 9 meses e ainda mama muito!!!
O nascimento do Henrique poderia ter sido diferente sim, hoje eu creio que existiam outros caminhos e outras decisões que poderiam ser tomadas. A primeira coisa que eu faria diferente, era não comunicar a todos a famosa "Data Provável do Parto" (DPP), pois todos dão limites à gestação, o limite padrão. Porém a DPP é uma previsão retirada de uma tabela baseadas na data da última menstruação, que supõe a data da ovulação! Cada mulher é única, cada ciclo é único, e para muitas mulheres isso é irregular, então nem sempre é possível tabelar, que dirá datar o dia ideal para seu bebê nascer! Nosso corpo é muito mais inteligente que isso. O nosso costume de acreditar e confiar na suprema medicina, nos faz esquecer da singularidade do nosso corpo e de cada nascimento. Eu deveria ter confiado mais no que eu estava sentindo, que tudo estava bem, poderia esperar! Eu deveria ter recorrido a quem respeita o tempo do nascimento, e exposto minhas questões, eu sei que teriam pessoas que lutariam comigo. Mas já virei essa página, isso já não posso mudar na minha estória! Mas sei que novas mães virão, novas lutas, e muitas dúvidas, e para o que a minha experiência servir, estarei aqui disposta a contar.


Henrique com 9 meses!!



Um comentário:

  1. Lorena, estivemos juntas nas rodas maternas, e me apeguei muito a sua história, pq como eu, vc tb faria um VBAC. Chorei ao ler seu relato, pois tb como vc minha história não teve o fim que eu desejava. A vulnerabilidade da dor e do medo na hr do parto é uma condição mt delicada. Meu desejo é que nossa experiência impulsione uma nova trajetória nesse assunto. Vc é guerreira! Clara Crispim

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