23 de dezembro de 2011

Puerpério: O dia depois do parir...


por Cariny Cielo

Demorou! Demorou bastante para eu me sentir novamente e traçar palavras. O parto é um ápice dilacerante que nos parte, nos reparte, dos divide e, no paradoxo da vida, nos une ao que somos verdadeiramente e ao ser que colocamos no mundo.

Embora a sensação inebriante de conquista e felicidade esteja permanentemente guardada dentro da gente, para todo o sempre, o dia depois do parir traz mudanças muito pontuais na vida da mulher. Somos impelidas a estar magras, lindas, sorridentes, disponível, cuidando de tudo, como sempre fomos. Mas não! Não é assim... Não é para ser assim. A natureza planejou diferente. Criou um bebê prematuro e um esquema de amamentação continuada que vincula fortemente a mãe a sua cria e à necessidade de parar, de frear, de largar tudo e virar bicho, de novo.

Depois de parir ainda estamos em simbiose com um ser totalmente novo. Os três primeiros meses são recheados de vivências. É o quarto trimestre. Curiosamente, quando fomos se aproximando dos 3 meses, eu e o Cassiano começamos a sentir coisas diferentes. Eu passei a me reconhecer novamente, aos poucos, a relembrar o parto, a relembrar a gravidez, a olhar no espelho e dizer: Essa sou eu! Eu passei a sentir na carne a mesma vivência dos exatos três meses atrás e depois relembrar o dia que, feito mágica, o Cassiano pediu-me permissão para vir...

Toda a minha jornada da gravidez foi refeita. As lutas para gestar e para parir. Tudo que construí e tudo que se destruiu na minha frente, a despeito de mim...

Ontem, há 3 meses, o Cassiano nasceu em paz. E somente hoje, 12 semanas depois, eu consigo juntar os pedacinhos de mãe, mulher, ser humano e fechar mais este ciclo. Ele continua minha sombra. Mostrando-me e apontando-me, no 'quê' de tudo.

Meu jardim não está tão bem cuidado como quando eu estava grávida. Também não consigo mais me imaginar bordando bonequinhas como fiz no chá de bebê. O guarda-roupa não está em ordem. As unhas ainda estão por fazer. Nem sempre eu lembro de passar batom ou o blush. As roupas ainda me caem estranhas, como que saídas de outro mundo. Ora estou sem apetite, ora faminta. Quase sempre não sei ao certo o que exatamente quero comer. O sono ainda é saltado, mesmo quando o bebê sequer me chama. À noite os sonhos me deixam louca, embora eles não me trazem tanto impacto como quando eu estava gestando. Ainda não consegui começar a ler nada. Foram meses de leituras dirigidas ao meu momento grávida e para o parto, agora, falta-me opção. As músicas me envolvem diferente também. Quando escuto as seleções de quando estava gestante elas me soam distante de mim, embora guardem uma calorosa lembrança.

A barriga nos protege. É como um escudo mágico e com ela vivemos em outra dimensão. Levamos meses para nos acostumar com a ideia da gravidez mas com o parto é diferente. Em um instante somos uma, piscamos os olhos, e lá estão dois seres. Não há etapa, não temos tempo para ir assimilando a ideia... não! Só há a rasguidão do parto.

E depois, desprotegidas e vulneráveis, cai em nossas mãos aquele bebê mágico, tão lindo quanto completamente estranho. Tão íntimo por sair de nosso claustro, mas tão completamente individual e único. É, ele está aqui! E a mãe? Onde está? Está no puerpério... nome estranho para uma época igualmente estranha. No limbo feminino entre ser mulher e ser mãe. Ainda não somos nós, mas não somos mais grávidas. Está tudo em carne-viva, como me diria uma amiga! Podemos ter quantos filhos for, mas sempre um novo parto nos levará para um novo 'xeque-mate' de vida! Não mais a grávida e seu escudo protetor, nem ainda a mulher de sempre. Uma mãe. Somente e totalmente.

Viverei assim? Poderei gerar? Poderei parir? Conseguirei cuidar dos filhos? Darei conta do meu trabalho ou das minhas vocações? Será que ainda quero isso? Ou será que ainda quero aquilo? Que bicho doido que vira uma mulher no pós-parto...

Mulheres! Não atendam à demanda patriarcal de sair do pós-parto e virar mulher-maravilha! Mergulhem dentro de si, sem medos. Façam-se as perguntas devidas, mesmo as mais difíceis. Adocem a voz, a pele, o olhar e ninem seu bebê. Ninem a si mesmas sabendo dizer 'não' e respeitando-se.

Deixem que a louça espere, o jardim siga sozinho, o corpo se adapte, o sono venha em qualquer horário, a fome seja desregulada, o sexo vire namoro... enfim... deixe o mundo correr no ritmo dele e você, imprima o seu próprio ritmo!

O dia depois do parir é assim! Voltam a nós todas as nossa profundas questões. O que sou, exatamente? Ainda não sei. Mas, hoje, só posso dizer que sou uma puérpera...
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