30 de janeiro de 2012

Maternidade Atvida: Quando é que aprendemos a fingir?


por Cariny Cielo

Minha mãe diz que meu filhos caem muito... eu prefiro achar que eles brincam muito. Realmente, é dodói para todo lado. Raladinho, topada, arranhões, galos na cabeça enfim. Criança selvagem. Lembro bem de quando criança não poder brincar com os meninos de rouba bandeira ou de pega-pega porque eu era uma moça e tinha que preservar a estética das minhas pernas. Claro que eu não obedecia e estou aqui crescida, mulher e cheia de lembranças sapecas de infância.

É difícil o mundo asséptico e preciso aceitar um menino selvagem e autêntico! Menina então, nem pensar. A sociedade quer crianças que durmam cedo, acordem bem, comam tudo do prato sem se sujar, não gritem, não corram, digam bom dia-obrigada-com licença e não incomodem. No entanto, vamos combinar que nem mesmo nós, adultos, conseguimos dizer um 'bom dia' todos os dias, mas aprendemos uma tática infalível que vem com a idade: fingir!

Agregamos anos à vida e adquirimos, como que por mágica, a capacidade de fingir. Quando isso acontece? Quando é que aprendemos que a mentira é melhor, o disfarce é mais fácil e a dissimulação é a bola da vez?

Porque, convenhamos, o que incomoda na criança não é nada mais, nada menos do que sua autenticidade. A criança é assim, pura e verdadeira, ainda sem as carapaças 'politicamente corretas' que o tempo trará.

Se estão bem dizem sorrindo; se estão mal, ficam quietas emburradas. Se querem cumprimentar, dizem 'olá'; senão, demonstram que não querem conversa. Não ligam pra roupa nova e branca que a mãe colocou, querem é pular nas poças d'água - é mais legal. Se a comida está ruim, não comem. Se não gostaram de uma coisa, vão dizer... simplesmente assim.

A vida seria bem mais simples se aprendêssemos a SER como as crianças, mas parece que vamos embrutecendo com o tempo...

Aprendemos a dizer sim, querendo dizer não. A tratar da vida do outro, sem o outro estar presente. A odiar, a julgar, a maldizer sem o devido direito de defesa. Fazemos isso todos os dias, automaticamente. Acharíamos um absurdo alguém ir para cadeira sem ser processado pelo judiciário, mas fazemos isso todos os dias, o tempo todo, com todo mundo. Com o desconhecido, com o irmão, com o amigo, com o inimigo, com o colega do trabalho... que lixo carregamos!

Se essa não é nossa essência, pois não vemos crianças fazendo isso, quando é que nossas vidas são corroídas pelo falso? Quando é que a criança começa a dar lugar ao fingidor? Quando é que a mentira ou, pior, o silêncio venenoso, passam a ser a melhor saída?

Uma coisa é certa! Tomaríamos menos remédios se apenas exercitássemos a capacidade de dizer a verdade. Uma velha sábia, amiga minha, disse-me algo certa vez que tem todo sentido: "se todos no mundo cuidassem tão somente de suas próprias vidas e se preocupassem em fazer sempre o melhor e mais verdadeiro para si mesmos, todos os problemas estariam resolvidos". Cada qual caminharia no seu nível de evolução, com suas escolhas, sendo autênticos.

O mundo precisa de terapia! Não num plano geral, mas quero dizer num nível nuclear, dentro do seio da família, dentro de cada um... é questão de saúde pública! Inúmeras doenças seriam extintas se as pessoas aprendessem a ser verdadeiras, a falar, a se comunicar de maneira saudável. Livres de preconceitos, julgamentos e mágoas, como as crianças. O a mentira que vive nos subterrâneos dos corações das pessoas as envenena, dia após dia... não surpreende que, anos depois, um câncer tenha se instalado naquele corpo envenenado. Muito pior que os agrotóxicos, que nicotina, que cocaína, que monóxido de carbono!!! O que nos mata vem de dentro, bem de dentro de nós. A guerra mundial nasce no coração envenenado pela mentira, pelo julgamento, pelo rancor, pela dissimulação de cada um. Pagamos com nossa vida o preço alto de não sermos autênticos.

Agora se tudo isso é tão ruim, é tão nocivo, quando e como aprendemos a viver desta maneira?

O mundo capitalista valoriza sempre mais o que está por fora, em detrimento da essência das coisas. Quando crianças somos bombardeados por mensagens deste tipo. As mulheres, então, mais ainda. Crescemos e vamos aprendendo na escola, na família, no círculo de amigos, que a sociedade só bem aceita alguém que sabe mentir. É como se essa pessoa tivesse o poder mágico de nunca demonstrar o que realmente tá sentido, tá pensando, tá querendo... e isso a fizesse ter sucesso no meio social.

Claro! De cedo, nos mostram que dizer a verdade é ruim. De cedo, deixam de se interessar pelo que realmente estamos sentido. Ainda crianças vemos que a ninguém interessa quem realmente somos, mas quem aparentamos ser. E assim, ano após anos vamos agregando fingimentos e falsidades na nossa existência... ao preço de nos afastar de nossa essência! Que saudade de ser verdadeira e livre como as crianças!

Essa saudade, que vem da alma, se manifesta em nossos corpos das mais diferentes formas, com os mais diversos sintomas e, seguimos assim: falsos e medicados!

A vontade de se conhecer e de ser verdadeiros é tão grande que muitos enlouquecem e mergulham nas patologias modernas... afinal, é muito mais fácil esquecer uma vida inteira de mentiras através de um mal de Alzheimer, do que admitir que nunca tivemos a capacidade - ou mesmo a oportunidade - de ser nós mesmos.

Outros sentem esse chamado do fundo da alma e seguem em busca de auto-conhecimento, de tratamento, de cura, mas é a minoria. A grande massa ainda prefere tomar um comprimido e seguir empurrando a falsa vida ano afora...

Se hoje eu pudesse desejar algo, se fosse minha única prece, eu desejaria ter o dom de me manter criança verdadeira e selvagem, como meus meninos, a despeito do que a hipocrisia do mundo me apresentasse.

Criança linda que dança no vento
Desejo teus olhos puros que só veem luz
Almejo tua jovem boca sábia
Cheia de sabedoria, fala o que vem do coração.

Quero tuas mãos belas e autênticas
que dizem sim aos chamados da alma.

Que meu respirar seja como o teu
que sente o inebriante perfume de tudo
E que meus ouvidos vibrem pelo que é bom.

Delícia de ser genuíno, tua verdade me encanta.
Faz-me bela em palavras, pensamentos e ações
assim como és, por essência.

15 de janeiro de 2012

Maternidade Ativa: “Calcem os chinelos!”


por Cariny Cielo

Certo dia, dei-me conta de que o que mais meus meninos ouvem de mim, durante um dia comum, é: “calcem os chinelos!”. Bem mais do que “eu te amo”. Bem mais do que “você é muito querido”. Bem mais do que tantos elogios e palavras carinhosas que posso, como mãe que ama, dizer.
Mas, se todas as mães como eu, amam, porque não dizem tanto? Porque nosso cootidiano não é açucarado de palavras amorosas e declarações de amor?

Afastadas de nossa feminilidade – que nos daria doçura – entramos na maternidade coroadas pela razão, ou seja, masculinas. Assim, multiplicam-se os livros, manuais, cartilhas, palpites e orientações de profissionais que estão, quase sempre, acima do nosso sentimento mais primitivo de mãe.

Essas orientações tomam conta da maternagem. Não faltam instruções sobre como, quando e quanto o bebê deve dormir; como, quando e quanto os filhos devem comer; como, quando e quanto devem chorar. Jeito de ir para a escola, jeito de largar as fraldas, jeito de se vestir, jeito de tudo... Não! Hoje, não criamos nossos filhos como queremos e sentimos, na essência, que devemos criar. Criamos como nos dizem. Fazemos, mesmo que inconscientes, uma salada de tudo que ouvimos, lemos e... voila, está pronto nosso jeitinho masculino de ser mãe.

Eu me orgulhava de dizer que meu primeiro filho dormia sozinho e hoje estou eu a ser acordada todas as noites com ele me requisitando, já com quase 5 anos. O outro, que teve seu tempo de ser bebê, de ser ninado em nossa cama, dorme, agora sim, a noite toda! Infelizmente, deixei-me levar pelos manuais, apesar do coração dilacerado e achar tudo um contrasenso. Mas, eu queria acertar! Queria ser perfeita! Queria cumprir as regras!

Ledo engano! Maternar é não ter regras, é não querer ser perfeita, reta, angulosa, matemática. Pois isto é do masculino. Feminino é irregular, imprevisível, cíclico, novo, é redondo, é quente, é do toque, do contato...
Hoje, vejo, atônita, a infância de meus filhos passando por mim e eu com sede de provar de cada bocadinho, com aquela sensação de que vai acabar logo algo muito, muito bom.

Sim, vai acabar, vai passar! Não nos pertence, é do mundo das lembranças. Assim como foi a nossa para nossos pais. Assim como é a infância da humanidade para o mundo. A infância deles terá passado enquanto a gente ficou preocupada com que calcem os chinelos, durmam cedo, comam o bastante, não xinguem e não se sujam. E nós? Nós ficaremos com aquela sensação amarga de que faltaram muitos beijos naqueles cabelos fininhos. De que não olhamos o suficiente a boquinha linda tentando articular uma estória e nos contar com entusiasmo. Enquanto estivermos quebrando a cabeça para fazê-los dormir ‘conforme os manuais’, perderemos de ver e curtir o quanto ficam desajeitadamente fofos de pijama e não sentiremos o calor que emana de seus corpos, nem aqueles olhinhos lindos fechados.

O que dizer dos bebês então? Anotando mamadas, deixando chorar... tudo no afã de discipliná-lo. Logo, logo passará a maior de todas as experiências: a de cuidar de um bebê! Seu filho, na versão totalmente dependente e simbiótico. O que é considerado trabalhoso e cansativo só o é porque a puérpera vive bombardeada com ‘como criar um bebê’ e não se entrega, verdadeiramente, àquela vivência. Ver um filho, bebê, dormir ao colo, adormecer lentamente, entregar-se ao soninho dos anjos é a mais profunda, maravilhosa e prazerosa experiência. Um privilégio, um presente sagrado... por muitas mulheres deixado de lado para cumprirem a regra de ‘nunca dormir no colo’. Porque não dormir no colo? É uma delícia! Que mulher não adoraria adormecer no colo do amado? Ouvindo o som do coração, o calor do corpo, o ritmo da respiração. 

Mas não, nunca deixe seu bebê amado, aquela obra perfeita da natureza, sua imortalidade, dormir ao som do seu respirar!!! Quanta bobagem!!! Eu diria mais: é a morte do feminino que produz tais absurdos. Diga a uma mãe que nunca ouviu nem leu conselhos que faça o que sentir que é certo com seu bebê e ela seguirá confiante e feliz. Agora entregue a ela um livro e coloque os especialistas para dizerem o que é melhor para o bebê e você terá uma mãe angustiada, falida, sem auto-estima.

Seu bebê vai crescer e, um belo dia, quando você, nostálgica, quiser colocá-lo no colo para niná-lo ele não caberá mais nos seus braços ou pior, não se sentirá conectado com você ao ponto de se entregar ao carinho caloroso. Vemos muitas mães queixando-se de seus adolescentes com atitudes frias, distantes, desconectados da família... será que estes mesmos adolescentes não choraram sem consolo em um berço? Será que não perderam uma fase preciosa de contato, de calor humano, de reforço do afeto? Quem sabe... ninguém jamais saberá...

Não se está aqui fazendo apologia à total anarquia, e sim lembrando que existe uma delícia na infância em não se fazer tudo exatamente como a mãe manda ou o pai obriga. Caso contrário, onde estarão aquelas memórias deliciosas do bolo que comemos quente, da chuva que tomamos mesmo gripados, de fugir pra debaixo da cama dos pais? E até mesmo de pisar na pedra, machucar o pé e ouvir da mãe: “eu falei para calçar os chinelos...”.

Eu decidi falar mais “eu amo você” e menos “calce os chinelos, raspe o prato, vá dormir, vista a roupa, tome banho”. Escolhi ninar mais, colocar no colo, beijar, cheirar... resolvi, corajosamente, deixar correr solta aquela infância gostosa que nos faz reviver a nossa própria e nos faz rir, rir de nós mesmos, rir do óbvio, rir do mundo.

Costumamos dizer que ser mãe é doação. Que nada! São eles, nossos filhos, que nos dão a oportunidade única de concebê-los, gerá-los e apoiá-los na jornada desta vida. São eles que nos dão, todos os dias, infinitas oportunidades de crescimento pessoal. São eles que nos mostram quem realmente somos, sem máscaras. São eles que nos dão sua deliciosa infância para a gente rir no final de um dia nada fácil neste mundo… nada fácil. São eles que nos aceitam como somos e nos fazem evoluir por não ser como gostaríamos que fossem. São eles que nos brindam com a juventude e a delícia de se ver em continuação. São eles que coroam nossa existência, eternamente e sempre e sempre…

De qualquer maneira, sob qualquer prisma, eles terão sempre nos dado muito mais.
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