26 de abril de 2011

Maternidade Ativa: gestação espartana


por Cariny Cielo

Conversando com uma amiga do Rio de Janeiro sobre o corte tardio do cordão umbilical, ela me disse: "te sinto muito preocupada com todas as 'matemáticas do parto', relaxa e curte a gravidez".

E minha resposta virou uma catarse! Verifiquei que a maternidade não tem sido uma experiência suave e florida na minha vida, como deveria ser. Se tivesse sentado e relaxado na minha segunda gravidez, na hora do parto, teriam me cortado novamente a barriga. Na verdade, eu já venho relaxando e curtinho faz tempo. Dureza mesmo foi quando engravidei pela segunda vez e queria um parto natural mas saía das consultas obstétricas com diagnóstico de candidata a futura cesárea só por já ter me submetido a uma.

Seria maravilhoso e ideal se eu tivesse a oportunidade de relaxar, admirar o invisível, apenas. Mas não no meu caso. Escolhi a batalha por ser da minha natureza, faz parte do meu desafio do feminino.

Mas eu tenho que escolher e convencer. Não tenho ninguém para fazer estas escolhas e apresentá-la a mim e, se eu chegar com dúvidas, receios e medos, serei novamente encaminhada às praxes médicas da tecnocracia.

Quem pari naturalmente, não tenham dúvidas, sente-se mais mulher. Simplesmente porque ela se permitiu viver o maior de todos os ritos de passagem, se permitiu renascer, se permitiu exorcizar todos os seus medos, se permitiu viver o natural, viver o divino, se permitiu ser como a natureza a desenhou e isso é um ganho inestimável para a auto-estima, segurança, força e poder da psiquê da mulher.

Você pode conseguir tudo isto talvez de outras formas, com anos de terapia, com grandes vivências espirituais, mas o parto verdadeiro te dá esses tesouros e mais o seu filho nos braços.

Não, não posso descansar em paz no pomar da floresta encantada enquanto as decisões sobre meu destino são tomadas no plano externo. Eu tenho que dar as cartas, decidir, ter os contra-argumentos perfeitos, eu sou a maior interessada, maior beneficiada e, principalmente, a maior responsável.

Talvez meus filhos não precisem de nada disso. Imagino um mundo onde as mulheres possam viver a gestação única e exclusivamente encantadas com a maravilha de gerar um ser e que, onde quer que elas escolham ir ou ficar neste mundo, elas serão recebidas com amor para parir como fêmea, como mamífera, como ser divino.

A era atual ainda é de luta e prevejo um futuro de deleite puro da mulher! Mas hoje, agora, já, temos que ranger os dentes mesmo, que pensar racionalmente, sentir o território, montar as estratégias, os planos A, B... enfim... esse é o tempo das mulheres guerreiras. Já fomos muito domesticadas e o peso da coleira ainda é sentido no pescoço. Agora, mais livres, há muito tarefa a ser feita principalmente no resgate ao respeito ao parto e ao nascimento. O resto é tudo conseqüência pois como diz Michel Odent "se queremos mudar o mundo, primeiro precisamos mudar a forma de nascer".

Bom, só que não sou toda espartana não... se fosse, estaria masculinizada e na hora do parto, cadê a mulher para se abrir e dilatar? Não adianta sermos fortalezas de rocha... rochas não amolecem, não são macias...

Não, não estou sempre de armadura e lança em punho. Estou encantada também, ansiosa também, ambivalente também, chorona também, aérea também, bem grávida também. Redonda e cheia! Cheia ao ponto de ter que fazer faxina forçada todos os dias para limpar os pensamentos negativos, ruins, estranhos, sinistros, maléficos, ridículos, depreciativos, desqualificantes, medrosos, carentes, torturantes que permeiam a mente das que carregam a humanidade no ventre... bem comum, bem mulher mesmo...

Já não bastam os 'bichos' a que estamos sujeitas pelo nosso inconsciente de gestantes, ainda temos sempre alguém para contar-nos estórias terríveis de bebês que morrem do nada, de partos sanguinários, de doenças de nome esquisito, de vírus que pega no ar... e isso vem de amigos, de parentes, da TV, e até de quem deveria nos acalmar e tranquilizar, os médicos!

Ao que parece, médico só cuida de doença... então, quando entra uma grávida no seu consultório imediatamente vem a sua mente: placenta prévia, hipertensão, toxemia, clamídia, citomegalovírus, toxoplasmose, infecção, muito líquido, pouco líquido, má formação, risco de aborto, parto prematuro, anemia, diabetes, cardiopatias, edemas, placenta prévia, placenta baixa, placenta fraca, placenta estragada. Cordão grande, cordão pequeno, cordão com defeito, vagina assassina de filho com herpes ou streptococos, parto prematuro, distócia de ombro, prolapso, falta de progressão, queda dos batimentos, aceleração dos batimentos, embolia de líquido aminiótico, mecônio, asfixia, sofrimento, dor, óbito...

Trata-se de uma batalha desleal entre as informações negativas e destrutivas que chegam à mente de uma grávida e o sentimento de emoção e grandeza em gerar um ser humano que ela carrega instintivamente dentro de si.

Mas, sigo eu, firme, resistindo, entre pavores e certezas, apaixonada por mim e por minha amada barriga.


Flor de Lótus
Ela vem assim,
Linda assim,
Pura assim,
Perfume de jasmin...

Suave e meiga
Cresces e me fortaleces
És minha menina-seiva
Eu sei porque viestes

Vens pela Mulher Selvagem
Para a floresta encantada
Eu te consenti, consciente
Fizestes de mim tua morada

Aqui é onde ficas
Mas não é onde estás
Tu pertences ao universo
E lá tua luz se faz brilhar

Até que no dia secreto
Do meu claustro sairás
E então poderás, qual estrela,
Nossas vidas iluminar.




Imagem daqui
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...