23 de dezembro de 2011

Puerpério: O dia depois do parir...


por Cariny Cielo

Demorou! Demorou bastante para eu me sentir novamente e traçar palavras. O parto é um ápice dilacerante que nos parte, nos reparte, dos divide e, no paradoxo da vida, nos une ao que somos verdadeiramente e ao ser que colocamos no mundo.

Embora a sensação inebriante de conquista e felicidade esteja permanentemente guardada dentro da gente, para todo o sempre, o dia depois do parir traz mudanças muito pontuais na vida da mulher. Somos impelidas a estar magras, lindas, sorridentes, disponível, cuidando de tudo, como sempre fomos. Mas não! Não é assim... Não é para ser assim. A natureza planejou diferente. Criou um bebê prematuro e um esquema de amamentação continuada que vincula fortemente a mãe a sua cria e à necessidade de parar, de frear, de largar tudo e virar bicho, de novo.

Depois de parir ainda estamos em simbiose com um ser totalmente novo. Os três primeiros meses são recheados de vivências. É o quarto trimestre. Curiosamente, quando fomos se aproximando dos 3 meses, eu e o Cassiano começamos a sentir coisas diferentes. Eu passei a me reconhecer novamente, aos poucos, a relembrar o parto, a relembrar a gravidez, a olhar no espelho e dizer: Essa sou eu! Eu passei a sentir na carne a mesma vivência dos exatos três meses atrás e depois relembrar o dia que, feito mágica, o Cassiano pediu-me permissão para vir...

Toda a minha jornada da gravidez foi refeita. As lutas para gestar e para parir. Tudo que construí e tudo que se destruiu na minha frente, a despeito de mim...

Ontem, há 3 meses, o Cassiano nasceu em paz. E somente hoje, 12 semanas depois, eu consigo juntar os pedacinhos de mãe, mulher, ser humano e fechar mais este ciclo. Ele continua minha sombra. Mostrando-me e apontando-me, no 'quê' de tudo.

Meu jardim não está tão bem cuidado como quando eu estava grávida. Também não consigo mais me imaginar bordando bonequinhas como fiz no chá de bebê. O guarda-roupa não está em ordem. As unhas ainda estão por fazer. Nem sempre eu lembro de passar batom ou o blush. As roupas ainda me caem estranhas, como que saídas de outro mundo. Ora estou sem apetite, ora faminta. Quase sempre não sei ao certo o que exatamente quero comer. O sono ainda é saltado, mesmo quando o bebê sequer me chama. À noite os sonhos me deixam louca, embora eles não me trazem tanto impacto como quando eu estava gestando. Ainda não consegui começar a ler nada. Foram meses de leituras dirigidas ao meu momento grávida e para o parto, agora, falta-me opção. As músicas me envolvem diferente também. Quando escuto as seleções de quando estava gestante elas me soam distante de mim, embora guardem uma calorosa lembrança.

A barriga nos protege. É como um escudo mágico e com ela vivemos em outra dimensão. Levamos meses para nos acostumar com a ideia da gravidez mas com o parto é diferente. Em um instante somos uma, piscamos os olhos, e lá estão dois seres. Não há etapa, não temos tempo para ir assimilando a ideia... não! Só há a rasguidão do parto.

E depois, desprotegidas e vulneráveis, cai em nossas mãos aquele bebê mágico, tão lindo quanto completamente estranho. Tão íntimo por sair de nosso claustro, mas tão completamente individual e único. É, ele está aqui! E a mãe? Onde está? Está no puerpério... nome estranho para uma época igualmente estranha. No limbo feminino entre ser mulher e ser mãe. Ainda não somos nós, mas não somos mais grávidas. Está tudo em carne-viva, como me diria uma amiga! Podemos ter quantos filhos for, mas sempre um novo parto nos levará para um novo 'xeque-mate' de vida! Não mais a grávida e seu escudo protetor, nem ainda a mulher de sempre. Uma mãe. Somente e totalmente.

Viverei assim? Poderei gerar? Poderei parir? Conseguirei cuidar dos filhos? Darei conta do meu trabalho ou das minhas vocações? Será que ainda quero isso? Ou será que ainda quero aquilo? Que bicho doido que vira uma mulher no pós-parto...

Mulheres! Não atendam à demanda patriarcal de sair do pós-parto e virar mulher-maravilha! Mergulhem dentro de si, sem medos. Façam-se as perguntas devidas, mesmo as mais difíceis. Adocem a voz, a pele, o olhar e ninem seu bebê. Ninem a si mesmas sabendo dizer 'não' e respeitando-se.

Deixem que a louça espere, o jardim siga sozinho, o corpo se adapte, o sono venha em qualquer horário, a fome seja desregulada, o sexo vire namoro... enfim... deixe o mundo correr no ritmo dele e você, imprima o seu próprio ritmo!

O dia depois do parir é assim! Voltam a nós todas as nossa profundas questões. O que sou, exatamente? Ainda não sei. Mas, hoje, só posso dizer que sou uma puérpera...

22 de outubro de 2011

Relato de parto: Nascer em casa, nascer em paz...


por Cariny Cielo

E eis que o “Dia da árvore” chegou. Amanheceu 21 de setembro e minha comunhão com o bebê era tanta que eu já pressentia que algo estava por vir. Acordei e quando fui ao banheiro, o anúncio: sangue. A visão me trouxe euforia, como se uma grande festa estava começando. Contei pro meu marido que havia ‘chegado a hora’. Era para ele se preparar. Fomos, os dois, em um dos médicos que me acompanhava no pré-natal e, no exame, eu já estava com 3-4 cm de dilatação. Pronto, era este dia! O grande dia!

Eu oscilei entre chamar assistência (que viria de Porto Velho, capital, há 470 km), ou ficar somente eu e meu marido. Hoje eu vejo que apenas não queria admitir para mim mesma, para a minha parcela racional e masculina, que queria mesmo era parir sozinha. Meu marido me ajudou a dar um decisivo passo me dizendo: “ou vai ser só nos dois ou iremos pro hospital”. No fundo eu sabia o que isso queria dizer: seria só nos dois, pois hospital nunca foi uma opção para mim. Há meses, quando me vi grávida, eu sabia exatamente onde e como o bebê, aquele ser de luz que estava nos escolhendo, queria nascer.

Precisei fugir para a mata para me permitir. Sim, peguei meu carro, no fim da tarde, e fui para um hotel de selva. Fiz toda uma trilha ecológica, sozinha, chorando, pensando, meditando... acompanhei o pôr do sol, repetindo para mim: “quero porque é certo!”. Lembrei do livro “Ciranda das Mulheres Sábias” que resolvi ler faltando dias para o parto. Conversei com a Mãe Terra, me senti canal, virei mulher, virei sábia e quando cheguei em casa, à notinha, abracei meu amor, nos emocionamos juntos com tudo que estava por vir. Os filhos maiores entraram na energia e também integraram a emoção.

Éramos mesmo, agora, somente eu, ele e nosso filho. Às 22:54 minha mensagem para a Thayssa, minha doula à distância: “to indo tentar dormir, me deu um sono louco, tá de 10 em 10 min. perdi o tampão”. Às 02:00 alguma coisa me acorda e, pronto, chegou minha hora, a nossa hora. O Uillian me vê e pergunta se eu quero algo. Ele liga música, busca algo para eu beber e, pronto, a jornada do nascimento estava dando início.

Despedi-me do dia 21, passei a madrugada em trabalho de parto. Acredito que a natureza foi muito benevolente comigo, pois em momento algum tive contrações muito próximas ou muito dolorosas. Aliás, lembro de volta e meia pensar: "cadê a dor? cadê o ritmo?". Cheguei a achar que sequer estava em trabalho de parto verdadeiro, já que foi tudo muito suave, muito misterioso mesmo. Eu dormia profundamente entre as contrações e, num dado momento fiquei sentada na bola e encostei minha cabeça na cama, foi uma delícia e acho que ajudou o bebê a ir se encaixando. Meu marido cochilava junto comigo, quando dava.

Eu sabia que devia me movimentar, ficar na vertical... lembrava de tudo que eu havia gravado fundo na minha mente. Era como se agora eu agisse automaticamente, como resultado do que eu tinha aprendido e apreendido. Era muito reconfortante, me sentia segura, em terreno conhecido.

Fui ao banheiro diversas vezes. Caminhava pelo meu quarto, pelo meu território, com o meu cheiro. Olhava aquele cenário que durante meses eu gravei, visualizei e sonhei. Não havia outro lugar no mundo onde eu deveria estar, que não ali. Não havia outras pessoas a me acompanhar que não o meu homem, o meu eleito. Estava tudo perfeito! Via aquela mulher, no espelho, nua e olhava aquela barriga linda e dizia: Adeus...

Depois da cada contração, o bebê se movimentava e isso me deixava ainda mais solta e relaxada. Uma comunicação mesmo, uma conexão. Estávamos juntos naquela viagem de partida e de chegada. “Deus meu, como eu sonhei com este dia...”

Quando fiquei me sentindo confusa e cansada e, principalmente, ainda achando que as coisas não estavam engrenando, olhei pra janela do banheiro, vi que estava amanhecendo. Pedi pro meu marido a banqueta de cócoras que eu havia mandado fazer e fui pro chuveiro quente. Não tenho a menor noção do tempo que fiquei lá, completamente em transe. Meu marido aproveitou para dormir. Eu acredito que nesta hora eu estava bem na fase de transição, chegando aos 10 cm, mas era tudo muito suave, muito místico para mim.

Saí do chuveiro e deitei-me na cama com aquela sensação maravilhosa de calor do banho e apaguei. Lembro-me de dizer para o bebê que eu precisava de uma trégua, um descanso. E, sim, ele me respondia! Que milagre! E então, parou tudo, veio uma calmaria, feito bálsamo. Não sentia mais contrações nem desconforto e dormi profundamente. O bebê mexia o tempo todo. Sentia seus pés nas minhas costelas e sua cabeça pressionando meu baixo ventre. Acordei e disse pro meu marido que eu precisava ir ao banheiro. Era o período expulsivo começando...

Liguei pra Thayssa e disse que não sabia se era hora certa. Nem lembro direito do que conversamos, mas uma mensagem que ela mandou em seguida me deu uma estranha certeza, eram 08:38 da manhã: “Tenta relaxar e ouvir o que o corpo manda fazer. Observa se ele mandar empurrar, pode empurrar”. Acredito que eu estava com medo do incrível poder do meu corpo, do tsunami que estava por vir. Lembrei que li no livro do Deepak Chopra que “quando a mente serena, o corpo assume o comando”. Era o que faltava: me entregar às ondas gigantes e nadar, confiante, de braçadas.

Meu marido estava sentado na minha frente, me olhou firme e disse: "se é a hora, então vamos, me dá sua mão". E eu dei. Confiei naquele homem que havia me dito que seria a única pessoa que não iria me decepcionar. Sim, ele foi comigo rumo ao desconhecido. Ele manchou as mãos com o sangue do meu corpo e viveu comigo o evento mais feminino do universo. Ele foi meu esteio naquilo que sequer conhecia. Ele acreditou em mim, acreditou no invisível, acreditou no que estava completamente fora dele. É chegada a hora de cumprir o votos...

Fiquei de joelhos, exatamente onde visualizei o parto, dia após dias, durante meses. Abracei meu amor e lembro-me de, entre os puxos, dormir de lado, profundamente. Quando eles voltavam, o meu marido me aparava e nos abraçávamos novamente. Num instante ele sussurra no meu ouvido: “você está sentindo o bebê nascendo?”. E eu disse: “sim, põe sua mão, amor”. E ele sentiu o bebê coroando. Eu senti o círculo de fogo e apenas respirei completamente dominada pelas poderosíssimas forças ocultas da vida. Eu sabia, o Divino estava ali. Fechei os olhos e vi uma imagem que há dias atrás havia visto num site. Era gravura de uma mãe e seu filho, no momento da separação física, emocional e espiritual. Fiquei com esta imagem, me apeguei a ela.

Com um puxo a bolsa estourou e com mais uns três ele chegou! Tinha uma circular de cordão que meu marido tirou com a autoridade de quem faz isso a vida toda. Passou-me ele, com um olhar de orgulho que nunca vou esquecer. Eu limpei seu rostinho e imediatamente o colei no meu peito.

Não ouvimos gritos ou choros. Ele tossiu e fez um choramingo, só. Nos beijamos, beijamos o nosso filho e o sagrado nos selou. Sentimos a imortalidade, havíamos sentido, intensamente, toda a jornada da vida.

Não tive laceração, ele nasceu com 3.555 kg e 51 cm às 09:00 da manhã de um dia lindo! Meia hora depois do nascimento ligamos para uma GO que me acompanhava no pré-natal. Ela chegou, muito carinhosa acompanhou a dequitação da placenta (que agora está plantada no jardim). Meu marido acordou nossos outros filhos que acompanharam tudo, inclusive o corte do cordão umbilical. Não conseguimos filmar, não deu tempo ou não era para ser. Aquele chorinho mágico... aquela cena surreal... tudo ficará ressoando para sempre na nossa memória, só na nossa, como um pacto sagrado. Gravada, profundamente, nas nossas células. Sem replay.

O bebê, de olhos fechados e com aquele cheirinho de bala, respirando bem rapidinho era a própria visão do Eterno. Foi mudando de cor, lentamente, nos meus braços, enquanto o cordão umbilical ainda pulsava, preso a mim e à placenta. Aqui estava ele. Nascido na mesma aura de intimidade com que foi, um dia, atraído para esta família. Veio do amor e pelo amor, ancorar neste lar, mergulhado em uma paz profunda. A criança encantada. O bem nascido.

Fiz viagens físicas e viagens emocionais. Sorri e chorei. Construí e destruí diversos castelos. Travei batalhas internas para admitir que queria o que era certo. Hoje, sei que defendi, acirradamente, os interesses do meu filho. E que perambulei pelo mundo dual que estou inserida lutando para ter respeito e dignidade no momento mais importante da minha vida.

Eu não faço apologia ao parto desassistido. Nem nunca quis que isso se transforme em uma bandeira. Lutei para conseguir atendimento. De qualquer forma, a maneira como as coisas aconteceram foi perfeita para a minha estória. Continuarei lutando por assistência onde me sinto mais segura e para garantir isso às mulheres que sentem igual a mim. Não quero que chamem isso de coragem. Não, não se trata de coragem. Estamos falando de fé!

Ele nasceu em paz e eu e meu marido renascemos.

11 de outubro de 2011

Oração da pequenina vida


Por Cariny Cielo

Deus, que num dia feliz, eu seja concebido e germine aconchegado no ventre de uma mulher de sorte. Que a notícia chegue radiante e encha de amor toda a família. Que esta mulher saiba que o melhor para mim é sua imaginação e alimentação. Que durante o primeiro trimestre ela cuide muito de toda e qualquer energia que se aproxime dela pois serei apenas um embrião, uma poeirinha de luz a se formar. Que nos meses seguintes ela procure ver o que é bom, ouvir e apreciar coisas belas, pensar sempre o melhor, curtir cada mudança, amar a mim e a humanidade pela dádiva de a eternizar.

Que ela não entregue a ninguém a confiança e fé na vida. Que não fique procurando anomalias, defeitos, doenças, síndromes, nem deformidades pois eu seguirei confiante de que sou exatamente como devo ser. Que nenhum médico me examine, mês a mês, com aparelhos frios e que minha mãe nunca acredite que me vê melhor na tela de chuviscos das máquinas do que quando fecha os olhos e me inspira.

Que a cada visita de pré-natal, ela seja respeitada, encorajada e valorizada pela imensa dádiva de carregar a vida em movimento. Que se faça nela apenas o necessário para manutenção daquilo que a natureza já faz com perfeição. Que ela seja sempre ouvida em seu desejo de parir naturalmente e onde se sentir mais segura.

Que ela procure se informar sobre como me alimentar da melhor forma possível, assim que eu nascer, para me receber de braços e peito abertos. Que possa contar com o apoio de grandes amigas, grandes mulheres e de uma família que forme uma rede calorosa de apoio.

Que ela seja amada pelo meu pai, com toda plenitude. Que desfrute das novas formas de amar com as novas formas que o corpo irá tomar ao longo dos meses e que esse amor chegue sempre até mim através de uma forma mágica de encanto e certeza de que sou bem vindo.

Que, finalmente, no dia do trabalho de parto, que ninguém a perturbe, ela e eu sabemos muito bem o que fazer. Que se ela resolver ficar em casa, que seja respeitada sua escolha e que nós recebamos toda assistência que temos direito, sabendo-se que o melhor lugar do mundo para nascer é em meio aos lençóis do quarto.

Que se ela resolver ter-me no hospital, que ela seja encorajada a acreditar em mim e si mesma. Que a recebam com respeito, deixe-a vestida como quiser; comer e beber o que quiser; que não maculem seu corpo com raspagens nem soro na veia, afinal, não estamos doentes.

Que ela possa adotar a posição e os movimentos que entender mais confortáveis pois assim poderei caminhar melhor pelos estreitos mágicos de seu corpo e seguir confiante. Que ajudem-na, se for preciso, a lidar com a dor dilacerante que vem da sensação de partir-se para que ela não precise de anestesia e eu possa continuar meu percurso com vigor e saúde.

Que não nos deixem a sós, com estranhos, mas na companhia de quem minha mãe confia e segurando a mão do meu pai. Que não apressem minha chegada. Eu sei, exatamente, a hora certa de chegar. Nada de episiotomia, nem manobras violentas, isto a fará achar que nossos corpos não funcionam bem. Que desliguem as luzes fortes e o ar-condicionado, pois quero sentir a suavidade de chegar e conhecer o mundo.

E, assim que eu chegar, deixem-me imediatamente na colo da minha mãe para que eu ouça o coração que me embalou eternamente. Que não me privem do sagrado sangue que me pertence e que ainda vem da placenta, deixando meu cordão umbilical pulsar até cessar naturalmente.

Que não façam exames e verificações invasivas, apenas me observem. Mais importante do que qualquer procedimento será eu conhecer e abraçar minha mãe. Deixe para me avaliar apenas me observando, na maioria das vezes apenas isto é o necessário.

Que se minha mãe precisar de uma cirurgia, que indicação médica seja verdadeira e muito bem explicada para ela e meu pai. Que tudo seja da mesma maneira respeitosa e digna que seria nascer naturalmente.

Que minha mãe possa me oferecer o seio ainda suada da emoção de me trazer e que eu possa mamar o tempo que quiser, da maneira que quiser. É meu sagrado alimento.

Que eu possa vir assim ao mundo, Pai, na exata medida que tu desenhastes para mim. Amém.

1 de outubro de 2011

Reflexões: Sobre partos e sobre riscos...


por Cariny Cielo

"Ah, você não tem ideia dos riscos que se corre tendo um bebê em casa". É o que se ouve por aí...

A institucionalização da cultura do 'hospital risco-zero' é tão grande que perdeu-se completamente a lógica nas análise. Quantas mulheres ouvem dos médicos, da família, da comunidade que ao se submeter a uma cesárea eletiva ela está assumindo um índice de riscos maior do que ter um parto natural em casa? Nenhuma! Ela caminha orgulhosa, certa de estar fazendo o melhor para si e para seu bebê. Não está!

Estatisticamente, os riscos de uma cesárea eletiva são cinco vezes maiores que o de ter um parto natural em casa. Interessante, não? Todos comentam horrorizados sobre a coragem de se ter um filho em casa! Mas, não se trata de coragem, se trata de bom senso. O parto resultante de uma gravidez de baixo risco será muito mais seguro em casa do que em um ambiente hospitalar.

É preciso coragem, sim, para se submeter a uma cirurgia de alta complexidade por pura comodidade, conveniência... É curioso observar que em todos os outros aspectos do tratamento humano, a opção pela via cirúrgica é sempre em último caso, depois de se tentar todas as outras formas de atuação, ao passo que, para nascer (um evento puramente fisiológico), escolhe-se logo: cirurgia!

Se as mulheres tivessem real conhecimento dos ricos, a cirurgia voltaria a ser ministrada nos índices sugeridos pela Organização Mundial de Saúde, por volta de 10-15%, e não nos assombrosos 67% que tivemos em Rondônia, por exemplo.

A distorção está em acreditar que a cirurgia é o caminho mais seguro! Não é. Talvez seja o mais cômodo para os obstetras que deixaram de ser parteiros para serem cirurgiões. Mas duvido que algum tenha coragem dizer que a cirurgia é o melhor caminho para a mãe e o bebê: se disser, está sendo, no mínimo, anti-ético.
Curioso observar que os riscos de ter bebê em casa são infinitamente menores do que sofrer um acidente de carro, mas, mesmo assim, todo mundo continua viajando e ninguém faz um testamento a cada vez que enfrenta uma rodovia para viajar. Que distorção é esta? Corre-se riscos em tudo, não existe 'risco-zero', como querem fazer crer muitos médicos. A única diferença é que, no hospital, eles estão protegidos pelo espectro: qualquer morte no hospital é fatalidade, 'tinha que ser'; ao passo que qualquer morte em um parto domiciliar será sempre negligência! Uma completa distorção de valores e de análise de riscos.
O hospital como o vemos hoje, acreditem, não é o local mais seguro para uma gestante de baixo risco ter seu bebê. É o local mais seguro para tratar do que fugir do fisiológico, mas o menos adequado para garantir a fluidez do parto. Talvez com o tempo e a melhoria da qualidade no atendimento obstétrico, o hospital passe a ser um local apto a dar assistência ao parto natural e com a garantia de atendimento médico, se necessário.

O que vem destruindo o nascimento nos hospitais é a 'manipulação' que se faz deste. É o atendimento rotineiro, é transformar a exceção em regra.
Mesmo com todas as recomendações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde e com as evidências científicas, ainda se faz episiotomia de rotina, corte abrupto do cordão umbilical, separação da mãe e bebê após o nascimento, posição deitada para o momento expulsivo do parto, analgesia, isolamento da mãe, enema, tricotomia, jejum, limitação de movimentos, acesso venoso, roupinha de doente, violência verbal, descaso e desamparo da gestante. E, se depois de todo esse 'kit anti-fisiológico', a mulher não conseguir parir (o que acontece na maioria dos casos) dão-lhe a cirurgia como opção salvadora! Foi assim que o Brasil conseguiu se transformar em um fabuloso 'fazedor de cesarianas"...

Em muitos lugares do mundo as mães são assistidas em casa, onde se sentem mais seguras. A propóstio, a Organização Mundial de Saúde recomenda que a gestante seja atendida onde se sente melhor. Pode ser em casa, pode ser em um hospital, pode ser em casas de parto...
Com o devido apoio e respeito a grande maioria das mulheres preferiria parir, a serem operadas. No meu caso. Eu sabia exatamente onde eu estava. Conhecia as hipóteses, as alternativas... estava em terreno seguro.

Se eu corri riscos? Sim, corri riscos.

- Muito menores do que se tivesse escolhido fazer uma cirurgia; e 
- Menores do que sofrer um acidente automobilístico

Então, eu vou continuar buscando atendimento obstétrico para meu parto no local onde me sinto mais segura, particularmente, em minha casa.

Ah, e vou continuar tendo coragem de viajar de carro pelo Brasil afora, a despeito dos terríveis números anuais de mortes e acidentes!

Não, não se trata de coragem...  Estamos falando de fé!

26 de setembro de 2011

Relato: Anunciando o nascimento...



E nasce Cassiano Tadiotto Cielo. Em casa. Na mesma aura de intimidade com que foi, um dia, atraído para esta família. Veio do amor e pelo amor, ancorar neste lar, mergulhado em uma paz profunda. Recebido com orgulho por seu pai e encantamento por sua mãe. Seja bem vindo, filho bem nascido!

Dia 22/09/2011, às 09:00. Com 3.555 kg, 51 cm.

1 de setembro de 2011

DE VENTRE EM POPA: três dúzias de manobras alegres para os navegantes mãe e neném, pelos mares da gestação!


Texto de uma Laura que eu amo! Laura Uplinger.

Era de manhã, bem de manhãzinha, uma mulher sorria, solene, na janela da cozinha, o olhar a vagar pelos telhados e pelas copas das árvores, enquanto as estrelas davam lugar a um novo dia. Suavemente, levou a mão quentinha ao ventre grávido. Um cantar profundo, corajoso e silencioso ecoava no seio dessa mulher. Começara há tempos imemoriais, percorrera eras e eventos infindáveis, transmitidos por incontáveis desdobramentos até aquele momento, àquela nova vida que crescia num calor gostoso no centro de seu corpo. E ela ficava a sorrir, saboreando com todo seu ser o pão de uma profunda comunhão com cada ventre, com cada mãe que já havia existido.

O dia começava, a luz o anunciava, assim como um pássaro. O neném! Mesmo antes de ser concebido, esse bebê morava no seu coração. Ela costumava olhar adiante e sabia que, quando engravidasse, daria a seu filho experiências de uma intimidade deliciosa, imagens extasiantes e aventuras em bibliotecas povoadas de lembranças.E foi o que fez: durante a gestação, ela caminhou por entre as árvores, fez versos ao beijar maçãs, elevou-se às estrelas, seguiu o curso de riachos e, com a música, voou à terras de luz. Compartilhou-se com o seu neném, mostrando-se por inteiro, revelando sua curiosidade, suas idéias, seu maravilhamento e suas alegrias.O neném cresceu, e hoje caminha pela vida digno, robusto, feliz, livre, bom e sábio. A mulher, agora avó, ainda gosta de acolher o amanhecer. E quando pensa na época da gestação, sorri o mesmo sorriso solene, relembrando as deliciosas idéias que teceu com o pequeno companheiro em seu ventre. Ela pediu que passássemos suas idéias adiante para que você as provasse, saboreasse e multiplicasse.


Admiração
Pare um momento e pense nas pessoas que você mais admira: artistas, revolucionários, inventores, mães, professores, líderes, benfeitores. Encontre um livro sobre a vida e os feitos de um desses seres. Enquanto estiver lendo este livro, peça que as características de grandeza dessa pessoa penetrem sua mente e seu ventre. Visualize seu filho já adulto, personificando as qualidades que você admira, pela vida afora.

Água corrente
Convide seu neném a ouvir os sons da água jorrando da mangueira do jardim, de uma torneira ou de uma jarra.
Ao ouvir, sinta prazer;
é a música da vida se renovando.
Ouça e veja, o fluxo é suave e triunfante,
ele vai levando embora toda mágoa, tristeza e desalento.
Agradeça a água corrente por essa impressionante dissolução.

Água de beber
Num momento de sede, encha um copo de água e beba bem devagar, saboreando e com reverência.
A água é mãe da vida, o primeiro alimento de todos.
Sinta a água entrando e transformando você,
vindo a ser você e seu neném.
Viaje pela água aos primórdios da vida.
Maravilhe-se com esse beber:
a água, você e o neném estão tecendo vida.

Árvore de Comunhão
Caminhe entre árvores e escolha uma delas para ser sua amiga.
Toque-a com alegria e reverência:
ela é feita das energias do sol, da terra e das chuvas.
Recoste-se na árvore com a mão direita sobre sua barriga.
Coloque a mão esquerda nas costas, a palma voltada para o tronco.
Peça à árvore para compartir energias com seu bebê e com você.
Sinta a intensidade das correntes de energia fluindo.Depois, abracem calorosamente a árvore, em agradecimento.

A voz da água
Caminhe pela natureza até encontrar um riacho de águas claras.
Siga-o até a nascente.  Lá, à beira da fonte que brota, ouça a água murmurar,
viva, fresca, inquisitiva.
Agache-se para fazer um carinho na água e sinta o que ela tem a dizer. Escute essa linguagem secreta, escute de coração aberto. Seu neném também ouvirá, entenderá e sempre se lembrará da voz da água.

Consciência celular
Deite-se, feche os olhos, respire calma, profundamente e sorria. Fale amigavelmente com as células de seu corpo, os zilhões de células que formam você. Agradeça a elas por compor seus órgãos. Estimule a harmonia da colaboração entre elas. Peça-lhes para superar-se nas suas funções. As células a ouvirão e responderão trabalhando ainda mais em conjunto, aumentando a qualidade da sua saúde e gestação.

Dádiva do Fruto
Segure uma fruta nas mãos, digamos, uma maçã. Veja e cheire esta maçã, transbordante de vida. Toque-a com os lábios. Você está beijando outonos e primaveras de alento. Essa maçã traz presentes de vida da macieira, do sol e da chuva, dons da terra, do ar e das estrelas.
As folhas do ano passado caíram e entregaram-se a ela. Junte-se a essa procissão de dádivas:
coma a maçã como um dom para seu bebê, sua dádiva frutuosa ao mundo.

Degustando e amando
Segure uma de suas frutas prediletas com as duas mãos, admirando-a em sua beleza.
A fruta é uma carta de amor do universo para você. Ela conta a história da criação. Maravilhe-se enquanto a come e, nesse maravilhamento, seu bebê e você receberão ainda mais da fruta.
Mais alegria, mais harmonia e amor para vocês dois espalharem pelo mundo.Degustando energia Segure uma de suas frutas prediletas com as duas mãos. Admire a vida desta fruta e respire sua fragrância. Dê a primeira mordida, coma devagar, com prazer, inspirando conscientemente e, agradecida, saboreie. Assim, energias sutis fluem da fruta para você e seu bebê, alimentando-os com vitalidade, saúde e sensibilidade.

Degustando e pensando
Segure uma de suas frutas prediletas com as duas mãos. Admire a forma desta fruta, sua textura, sua cor, seu cheiro. Pense de onde vem, nas energias que a alimentaram, nas pessoas que a cultivaram. Pense, enquanto come, no enorme bem que ela traz a você e ao seu bebê.
Pense e agradeça. A fruta alimentará suas mentes com um entendimento mais claro e profundo da vida.

Do fogo ao coração
Em um dia de frio, acenda um fogo na lareira. Bem aconchegada, contemple o significado da chama, enquanto o fogo crepita, cresce e dança alegremente. Galhos velhos e mortos recobram vida, aquecendo e deliciando você, trazendo-lhe a lembrança de que transformações são possíveis. Volte seu olhar para dentro e busque elementos que deseja modificar. Encontre frios a abrasar, sombras a iluminar, angústias a queimar até virarem paz. Ateie fogo nesses velhos elementos até que eles brilhem no generoso âmago de seu coração. Emocione-se com o nascimento dessa nova energia, e na luz profunda da sua felicidade sorria confiante com o seu neném.

Do fundo do coração
Do fundo de seu coração, sussurre um convite ao seu neném: “Vem, meu amor, vamos pensar juntos”. Pensem então no planeta terra, com seus oceanos, montanhas e árvores. Abracem esses seus vôos com amor, tornando-os ainda mais amplos, maravilhosos e belos. Criem frases que transmitam algumas dessas idéias, usando palavras como: dádiva, abarcar, beijo, sublime, possível, receber... Diga essas frases em voz alta. Para você e seu neném, uma bela forma de doar amor.

Esperança
Enrosque-se no sofá e feche os olhos. Convide seu bebê para que juntos compartilhem de um momento especial de tranqüilidade, um momento aberto à esperança. A esperança fecunda de vitalidade e saúde sua corrente sangüínea, gerando ondas de nova energia no seu sistema digestivo. Inspire, expire e deixe acontecer. Sinta a esperança acenando-lhe e corra para abraçá-la. Visualize essa amiga poderosa com vocês dois para sempre, fortalecendo-os.

Harmonia
Inspire profunda e calmamente, até que uma suave harmonia cante em você e seu neném.
À medida que cresce o acalanto, lembre-se de um incidente conflituoso em sua vida.
Projete essa harmonia sobre tal lembrança e observe a dissolução de toda e qualquer raiva,
indignação, tristeza ou ressentimento remanescentes. Em seguida, pronuncie palavras de alívio,
compaixão, compreensão e esperança. Esta é uma forma muito especial de trabalhar com a harmonia, uma maravilhosa experiência de aprendizado para o neném.

Livro aberto
Para o seu bebê, você é a pessoa mais importante na face da terra. Desde o início da gestação, seu bebê adora você e fica feliz quando você é completamente fiel a si mesma. E quem é você?
Gosta de pensar em quê? Pegue um livro sobre um assunto que a fascine. Aconchegue-se e compartilhe a leitura com seu bebê; ele adora quando você conversa com ele, adora conhecer você.

Luz de amor
O amor é uma força. Use-a. Chame essa força, convide-a para entrar e aquecer seu bebê e você. Ela penetra vocês dois, inteiramente prenhe de um calor generoso. Quando estiver totalmente plena dessa força, deixe-a resplandecer nos seus olhos, sorriso e pele. Ofereça o brilho para todos os novos bebês do mundo e suas mães. Veja como o brilho que vocês irradiam
atrai ainda mais luz para dentro de vocês.

Luz de vela
No lusco-fusco de um quarto tranqüilo, convide uns momentos de silêncio de alma. Nesse estado privilegiado de maravilhamento, acenda uma vela. Olhe em contemplação para a chama como se fosse a primeira vez. A chama é uma dança, uma viagem misteriosa daqui ao infinito.
Junte-se a ela e explore a imensidão. Comungue na energia incorruptível do fogo;
ela fortifica e eleva você e seu filho. Reverencie essa energia como uma fonte de inspiração.

Mãos de mãe
Acaricie sua barriga de grávida. Depois de um tempo, deixe que suas mãos repousem sobre ela;
sinta um sorriso despontando no seu rosto. E, com o amor brotando de suas mãos,
abençoe seu neném. Invoque então as forças e as energias criativas da vida, para que participem com você da formação de um maravilhoso ser humano.

Melodia cósmica
Mergulhe em sua poltrona favorita, coloque os pés para cima e sinta plenamente o delicioso conforto que envolve você e seu bebê. Descanse, acariciando a harmonia. Nesse devaneio, pense em música. Imagine que você e seu bebê são músicos, fazedores de música numa orquestra sinfônica composta de todo o universo. As melodias que vocês tocam são músicas cósmicas
que falam de vocês dois. Essas composições são trechos da música das esferas.
Ouça a alegria, a força e a magnificência.

Música do coração
Escute uma música, aquela que mais a inspire, uma música que simplesmente a leve para bem longe. E deixe que faça exatamente isso. Enquanto ouve, pense em um aspecto seu que gostaria de cultivar. Na sua imaginação,  deixe a música levá-la a um mundo em que essa qualidade floresça e desabroche em você.  Digamos que escolha a saúde: veja-se então transbordando de saúde. Veja-se tão radiante que, por onde quer que passe, multidões dançam com exuberante saúde, graças a você.
Que emoção para o neném!
Noite de estrelas
Em uma noite estrelada, levante os olhos para os céus. Sinta-se transportada para esse infinito.
Ouça a silenciosa presença atemporal dos milhões de luzes no firmamento e saboreie essa paz.
Escolha uma única estrela e faça dela sua companheira. Fale de você e seu bebê com essa estrela amiga. Faça perguntas sobre temas importantes para vocês. Haverá respostas para vocês dois.

No mundo das nuvens
Num dia com nuvens, olhe para o céu e delicie-se com essa visão. Brinque com as formas, as luzes e os movimentos das nuvens. Crie histórias com elas. As nuvens são o teatro do vento, coletâneas de histórias: cavalgadas, batalhas, festas, beijos, carinhos, suspiros. São o ar brincando. Celebre sua amizade com as nuvens e elas responderão com o orvalho do amor para seu bebê e você.

O brincar da brisa
Em um dia de alegres brisas, saia de casa e vá para um lugar onde você e seu bebê possam estar a sós. Tire então toda a roupa e entregue-se ao ar. Sinta-o dançando com você, acariciando seu rosto, brincando com sua mente. Agora, ele está dentro de você, rodopia, gira, espanta amolações, afasta dúvidas, sopra para longe preocupações. Inspire essa brilhante e atuante brisa, ria com ela e agradeça. Sua pele está cantando com o ar. Seu bebê se delicia.

Paz
Saia para passear num parque, floresta ou jardim, um espaço verde e belo onde você e seu bebê possam estar a sós por um tempo. Abrace a eloqüente quietude da natureza e entregue-se por completo às mensagens voluptuosas de fragrâncias, formas, cores, sussurros. É uma intrincada dança dos elementos. Convide toda essa beleza a entrar em você. Torne-se o lar desse poema telúrico. Você e seu bebê estão aprendendo paz.

Pés em festa
Ofereça a seus pés um delicioso banho de água quente. Agradeça seus pés, acariciando-os e conversando com eles. Sinta todo o seu ser pouco a pouco se abrindo e se expandindo.
Sinta seu sistema nervoso respondendo, sua mente aclarando, sua energia aumentando.
Presenteie então seu neném com esta encantadora festa.

Pura luz
Feche os olhos e, com seu pensamento, embarque numa viagem suave e profunda para uma terra de luz pura, expressiva, surpreendente e regeneradora. Para uma terra tão prometida quanto o raiar do sol. Entre, trazendo seu neném. Flutue livremente nesse oceano de vida vibrante.
Respire essa luz, saboreie-a. Deixe que se ela torne una com vocês dois. Então, quando estiver transbordando de luz, volte para casa e irradie.

Rapsódia de cores
Pendure um cristal facetado numa janela ensolarada e convide os raios a brincar. Lá, na parede oposta, eles projetam borrifos de arco-íris. Intercepte um raio com os olhos e veja a deslumbrante música da vida. O azul claro canta a saúde de seus pulmões, o azul escuro fortalece seus ossos, o vivaz laranja traz fartura ao seu sangue. O amarelo alimenta nervos e mente. O verde compõe harmonias para seus órgãos digestivos. O vermelho leva força a seus músculos. O lilás alegra as glândulas. Detenha-se no brilho de cada cor até que seu determinado espírito a tenha tocado. Então, feche os olhos para que você e seu bebê possam rapsodiar.

Show de luz
Uma noite dessas, planeje acordar na madrugada seguinte para acolher o amanhecer.
Antecipe uma comemoração para o momento em que seus olhos e os primeiros raios de sol se encontrarão. O sol estará enviando energia radiante e maravilhosa pelo espaço até você.
E você estará recebendo essa energia luminosa com todo o seu coração, deixando que ela inspire e renove você. Convide então a luz para que ela se junte a seu ser na tessitura de seu bebê.

Sopro de vida
Inspire até encher completamente seus pulmões. Pare, repleta de consciência e de ar... saboreie o gosto do ar da vida. Agora, conscientemente, solte todo o ar. Esse dar e receber da respiração sempre foi assim. É uma troca de dádivas: você recebe do universo e, por sua vez, dá de si e do seu bebê. Com tudo isso em mente, agradeça e respire de novo.

Sua música
Escolha uma música lindíssima de sua coleção e comece a ouvi-la. Imagine essa música sendo uma canção sobre você... sobre como você é única. Ouça a atmosfera da melodia. Ela pronuncia suas qualidades, a beleza do seu ser. Seu bebê, no seu ventre, está recebendo essas visões através da música e sente uma singular onda de felicidade. Esta é uma forma encantadora de enriquecer vocês dois.

Tempero de amor
Um belo dia, convide um ou dois amigos queridos para jantar. Componha um delicioso menu, pratos que goste de comer e de preparar. Calcule quantidades, tempere e cozinhe com o coração em festa, repleto de carinho. Enriqueça as receitas com ingredientes especiais: seu amor pela vida, pelos amigos e a alegria de estar grávida. Peneire e mexa, fatie e corte, misture e mescle,
amando cada aroma, cor e textura. Expresse esse amor em voz alta: “Há tanta beleza em vocês, alimentos queridos! Levem essa beleza para as pessoas que vamos nutrir e ofereça-lhes nossa essência”.

Terra
Encontre um pedacinho de terra, acaricie-a com as duas mãos e afunde nela os dedos.
Sinta os aromas que ela libera para você. São fragrâncias de nossa mãe, essências de recriação.
Cumprimente e agradeça a terra; é ela que compõe os elementos de seu corpo e do corpo de seu bebê. Deixe suas energias fluírem para ela pelos seus dedos. Peça que ela as receba bem em suas profundezas, aninhe-as e transforme-as, para depois devolvê-las limpas e regeneradas.
Uma forma bela e telúrica de exaltar a saúde da sua gestação.

Uma canção
Saia para caminhar com uma canção no coração. Essa canção é uma amiga, seu ritmo conduz seus passos e desenha seu sorriso. Ao andar, deixe que a canção penetre você por completo;
tal doçura a engrandece. Quando chegar a um lugar adequado e quando a canção não puder esperar nem mais um instante, cante a plenos pulmões! Os sons da música que você faz,
a beleza e o significado da canção, tudo isso tem um impacto imediato na química de seu corpo.
Seu sangue está levando mais nutrientes, saúde e vida a seus órgãos. Sua mente vai ficando mais clara e livre. A alegria galopa em você e seu neném. Vocês são um abraço cantante.

Vocês três
Num momento de intimidade, pegue as mãos do pai do seu neném e leve-as a sua barriga.
Os três juntos, falem sobre essa família. Falem sobre quem vocês são. Sobre a casa de vocês, a vida de vocês, suas idéias, esperanças e sonhos. “Sua mãe e eu já imaginamos você tomando
seu primeiro sorvete de chocolate”. “Seu pai quer levar você para velejar!” “Bem-vindo ao nosso tão difícil e querido planeta, você vai contribuir com soluções, tá?”. “Você é uma grande alegria! É uma honra pertencer a você”. “Conte conosco”. Então, do fundo do coração, dêem um beijo em família.

Volta aos primórdios
Num dia calmo e gostoso de sol, vá à praia e mergulhe no mar, berço de toda a vida.Ao nadar para longe, dê braçadas sensuais e conscientes. Visualize-se penetrando no ventre grávido da terra. Lá, em doce rendição, deixe-se boiar. Ouça o ritmo das ondas do mar: são confortantes batidas de coração. Sinta todo seu ser abraçado, acariciado e cuidado pelas águas salgadas. Desde os primórdios, sempre foi assim, todo esse cuidado e amor, por eras e eras... até chegar a você. E, lá dentro de você, um notável feito está se dando: seu neném está revivendo toda a história da vida.

Vôo de felicidade
Imagine-se caminhando no seu lugar predileto deste mundo. Lá está você, grávida, livre e despreocupada. Seus pensamentos vagueiam pelos seus momentos mais criativos. Como por exemplo, aquela vez em que você expressou seu amor tão lindamente que todo o medo se dissolveu. Sinta-se tomada por uma imensa satisfação, alegria e certeza. Vôos como esse afetam profundamente e para sempre, a vida do seu filho.

8 de agosto de 2011

PREPARANDO O VERDADEIRO ENXOVAL: Nove meses para nutrir a alma



O ser humano, como indivíduo em constante evolução que é, possui diversos mecanismos para amadurecimento, sejam eles físicos ou psíquicos. Do encantado mundo da infância, até a formação de um homem, ou uma mulher, vive-se os desafios dos tempos da escola, a enxurrada de hormônios, do círculo de afetos e desafetos, a adolescência. Além das revoluções próprias do crescimento, há os eventos protagonizados por terceiros mas que afetam o indivíduo desde a tenra infância, como as perdas e ganhos, financeiros ou não, os lutos, as separações, as novas uniões, enfim.

De uma forma mágica, ainda fora da compreensão e entendimento do homem, o universo conspira em prol do progredir eterno, arquitetando manobras na esfera pessoal, social, coletiva, cultural... tudo para atingir seu objetivo.

Quanto a essas ‘janelas de oportunidades’ para o crescimento pessoal, as mulheres levam vantagem, pois tem na maternidade, de uma forma geral, mas principalmente na gestação, uma grande aliada para o desenvolvimento individual. Não que o homem, sendo um novo pai, não participe desta grandiosa modificação pessoal, no entanto, este resultado virá muito mais de sua iniciativa e de seu envolvimento voluntário. Já para a mulher é tudo mais forte e determinante: quer ela queira, quer não, a gravidez a levará feito tsunami para as profundezas de sua psiquê.

A gestação seria, assim, o grande salto de amadurecimento emocional, físico, intelectual e psíquico da mulher, coroada com um parto empoderador, dando início assim a uma maternagem ativa e feliz, propícia à formação de serem humanos saudáveis. Não se trata de um palpite, diversos estudiosos apontam a gravidez como um período de extrema sensibilidade e suscetibilidade da mulher com o intuito primordial de criar um ambiente suficientemente bom para o desenvolvimento inicial da vida. Pode-se citar Reich, Federico Navarro, David Boadella, Alexander Lower, Gerda Boyensen e Sanley Keleman[1].

Segundo Rachel Soifer, a mulher deseja ter a criança, o que significa aceitação da gestação; entretanto, ao mesmo tempo, surge uma rejeição à gravidez em si, causada pelo temor que sente em ser destruída. Soifer destaca que não se trata, de modo algum, de rejeição ao filho, mas de uma defesa diante dos temores da gestação em si[2].

No entanto, é cultural que se passe pela gravidez com o discernimento completamente embotado e, quanto a isto, os dizeres de Carlo Goldoni caem como uma luva para exemplificar a oportunidade não aproveitada. Como ele diz: “o mundo é um belo livro, mas é pouco útil a quem não o sabe ler”[3]. Neste diapasão, a gravidez é um evento formador único, mas é muito pouco explorado pelas mulheres e é voluntariamente anulado pelos ideais de consumo e de culto ao artificial.

É muito mais confortável e cômodo seguir a correnteza e viver a gestação de forma infantilizada, mimada por todos, enchendo gavetas de roupinhas; ou, no extremo inverso, de forma alheia, não preparando o ninho, rejeitando e anulando o evento, completamente desconectada do que se passa internamente, em seu corpo e em sua alma; em uma longa TPM (tensão pré-menstrual), nos dizeres de Adriana Tanese Nogueira[4]. Por que seria mais cômodo? Porque crescer dói mesmo! Exige mudanças, reformas íntimas, exige perdão, exige cortes necessários como as podas nas plantas, exige confiança em si mesma e no invisível.

A gravidez levanta questões há muito custo escondidas e guardadas e, traze-las à tona, para a promoção de mudanças é, por vezes, insuportável. Ocorre que fugir delas, da mesma forma, é inútil, pois elas virão, qual fantasmas, a assombrar o parto, o puerpério, a maternidade. Fiel à sua missão de promotora do progredir infinito – dos indivíduos e do universo – uma força não tardará a exigir desta mulher as reformas necessárias. Seja através de mecanismos puramente psíquicos, seja através de somatizações, essa força miraculosa seguirá empurrando, forçando, cobrando, exigindo; a seu modo e na medida que cabe a cada um viver.

O obstetra e homeopata gaúcho Ricardo Herbert Jones[5] chega a afirmar que não existe gravidez indesejada, existe sim mulher que não reconheceu seu desejo inconsciente de conceber. Em que pese ser um acontecimento físico, explicado biologicamente com detalhes, a concepção, a gestação, o parto são misteriosos e ligados às emoções e não puramente leis da mecânica. Trata-se de processos psíquicos inconscientes e muito primitivos. Se não fosse assim, não haveria uma infinidade de casais férteis, do ponto de vista biológico, que simplesmente não conseguem conceber. Da mesma forma, não existiriam relatos de gestações e partos que ofendem todas as leis da medicina[6].

Como não se assustar ao enfrentar tão duras e reais questões? Como não se intimidar ao ver seu íntimo tão desvelado? Abrir-se a esta força é a chave para navegar com segurança pelo maremoto que a gestação provoca. Abrir-se! Esta é a saída. Mas, aí vem a questão: como se abrir se, culturalmente, aprendemos desde cedo a se fechar? É verdade, a mulher moderna pagou e vem pagando um preço altíssimo em troca do espaço social que angariou.

Uma conjunção de eventos sociais concorreram para a destruição do feminino em nossa cultura, mas principalmente a Revolução Industrial [7]que modernizou tudo, inclusive a medicina e avançou o patriarcado. A Revolução Industrial gerou profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social. Ao longo do processo (que de acordo com alguns autores se registra até aos nossos dias), a era da agricultura foi superada, a máquina foi superando o trabalho humano, uma nova relação entre capital e trabalho se impôs, novas relações entre nações se estabeleceram e surgiu o fenômeno da cultura de massa, entre outros eventos. Se havia uma máquina milagrosa para fazer tudo e se a quantidade passou a superar a qualidade em razão do consumo, nada mais conseqüente do que se transformar a gestação, o parto e a amamentação em eventos médicos, conduzidos por homens, onde a tecnologia virou protagonista, e não mais um ser humano, a mulher. O ícone desta mudança radical pôde ser observado com a amamentação, antes natural, ao seio, e posteriormente, com a mulher entrando no mercado de trabalho, via mamadeiras e outros artifícios, junto com um leite artificial.

O mundo, como se conhece, domestica as mulheres. Todos se horrorizam com as mutilações feitas contra as mulheres no oriente (e são mesmo atrocidades), mas esquece-se que, inúmeras vezes, no cootidiano, as mulheres são violentadas, castradas, aprisionadas. Assim que nascem, recebem a vagina já com pavor. “Não brinque na rua, feche essas pernas, não se suje, não fale alto, não rale as pernas, não prove nada novo, não mexa com insetos e nem répteis, não lute, não brigue, não pise na grama, nem no barro, nem na terra, aliás, nunca ande descalça!”... e assim vai-se sufocando a menina-selvagem e criando-se a menina-porcelana. Ocorre que quem vai parir um dia não será esta menina de porcelana, boazinha, quietinha, perfeita, limpa e comportada.

Não é esta a mulher que se abre à gestação, que se entrega ao parto, que veste a maternidade com honra. Ela não foi ensinada a se abrir, ela não aprendeu a se entregar, ela não exercitou sua sabedoria inata. Quando chega a menarca, privada de um rito especial, chegam com ela os medos, dores e rejeição: “Odeio ser mulher”, repete a menina em silêncio, a cada anúncio de sangue mensal. Cólicas, cansaço, humores e mal-humores, restrições, maldição! Ela segue a juventude maldizendo seu sagrado sangramento. Ovula com pudor, com nojo, com rejeição. Mais madura, ela busca o amor e para tal imagina, mais uma vez, que precisa adequar-se aos moldes. Ser magra ou malhada (com coxas de jogador de futebol), ou muito bem-sucedida (diz-se aqui: ganhar muito bem) melhor ainda, ganhar mais do que o homem eleito. No trabalho ela sufoca sua sensibilidade para parecer masculina, agressiva, estável, impecável. No salto agulha ela se equilibra na selva masculina e, assim, diz-se feliz, realizada. Ledo engano! Mulheres não são estáveis nunca, oscilam como a lua. Não, elas também não são impecáveis, pois acordam ora divas, ora gatas-barralheiras. Não, ela não está bem, o que ela está é domesticada. Olha a menininha de infância tolhida aí! Cortaram-lhe as garras, serraram-lhe os dentes e ela segue vivendo assim, meio mulher, meio homem. Pintando o cabelo para disfarçar não os fios brancos, mas a alma sufocada.

E eis que, um dia, a vontade de ser mãe ressoa. De alguma forma, esse desejo vem até a mulher e ela, então, começa a pensar na maternidade. Mas, durante toda sua existência como fêmea ela rejeitou seus óvulos, ela apagou sua chama, seu fogo interno. Ela viveu uma vida ensaiada, sem protagonista. Ela imitou a estrela da novela, imitou a magrela de Hollywood ou, pior ainda, ela não conseguiu imitar ninguém e seguiu se sentindo uma estranha, muito estranha, quase uma pária. E agora? Os óvulos a muito congelados não vem; os hormônios escondidos à custa de drogas não surgem; o impulso de receber e de se dar não está presente[8].

A mulher agora sofre em silêncio porque ser mulher requer um ato de fé que ela não aprendeu a fortalecer. A fé em sua natureza, em seu feminino, em sua fisiologia, em sua capacidade para receber, gestar, parir e amamentar. Agora que ela segue, seja procurando conceber, ou seja, gestando, ela está realmente só. Nos dizeres de Clarissa Pinkola[9], “quando somos muito nós mesmas perdemos os outros; mas, em contrapartida, quando temos todos os outros, não se tem a si mesmo”. A solução mais próxima para tanto vazio é extravasar por meio do consumo. Compras infindáveis e um feto com vida social antes mesmo de nascer. Cabe aqui uma reflexão da Psiquiatra e Terapeuta Junguiana Eleanor Madruga Luzes[10], que traz:

“A imagem e o consumo, correm juntas. Marketing é imagem, e as gestantes, por exemplo, ao saberem do sexo do bebê, disparam para as compras ‘devidas’. É como se neste ato de consumo já começassem a cuidar de seus filhos – obedecendo a uma conexão “consumo-amor”. A ênfase na visão do interior do corpo grávido e na busca por essas imagens coaduna-se, por seu turno, com a voga biologizante, fisicalista, de culto ao corpo. A conseqüência do ultra-som fetal é a antecipação da existência social do feto, através da tecnologia, modelando as culturas: visual, do corpo, de consumo e de monitoramento. (DUMIT & DAVIS-FLOYD, 1998, DOWNEY & DUMIT 1997, HARAWAY, 1991, e muitos outros).

Para a maioria das mulheres que não irá conseguir, ao menos não desta vez, libertar-se das amarras, sejam elas sociais, religiosas, culturais, enfim, a concepção é mecânica e a gestação patológica, sendo assim, o enxoval vai limitar-se a fraldas, roupas, toalete e quarto todo decorado. A grande sacada do universo e de sua missão maior de provocar o novo, a mudança, a evolução é que aquela menina selvagem foi apenas sufocada, ela não morreu. Sempre existe a oportunidade de ‘virar a mesa’, ‘chutar o balde’, ‘tapar os olhos e ouvidos’ e perseguir, pela selva, mesmo no escuro, o cheiro familiar de ser mulher. E a gestação é o grande ás deste prazeroso reencontro. É o momento para, durante nove meses, nutrir-se, valorar-se, conhecer-se e preparar um enxoval diferente do padrão: o enxoval da alma.Esse enxoval virá às que se permitirem embarcar na viagem. E, quanto a isto, contar com ajuda externa pode ser decisivo. As mulheres sempre tiveram outras mulheres[11] a quem confiar, trocar experiências e, assim, multiplicar soluções; no entanto, mais uma vez, com o progresso tecnológico, os núcleos familiares diminuíram, o corre-corre diário afastou os vínculos e a mulher, hoje, é uma solitária, no mais profundo significado da palavra.

Ler, ver vídeos, meditar, exercer a espiritualidade, exercitar o lado criativo, emotivo, mesmo que esteja há muito soterrado e oculto; tudo isso faz parte do enxoval da alma da mulher gestando. Seguir a gravidez com um pré-natal frio, distante, entregando nas mãos dos médicos os rumos do próprio corpo; frear toda forma de expressão natural, sensível, imaginativa, íntima; gastar todas as energias com o bebê do mundo encantado e estereotipado; cuidar somente do físico, esquecendo-se do emocional; esse conjunto de fatores que hoje são regra no diário das gestantes é praticamente garantia de parto igualmente boicotado, entregue aos médicos. A mulher ali, deitada na mesa fria do hospital, não entrega apenas seu corpo para ser cortado ou manipulado com violência, está entregando sua alma que há tempos foi abandonada, sem a devida nutrição durante os nove longos meses.

Nesta seara, a presença de uma educadora perinatal pode ser decisiva na medida em que pode apontar nortes, promover discussões, investigações pessoais, sugerir aquisições físicas e emocionais para que o parto seja a coroação de uma gestação consciente e plena. Trata-se apenas de valorar este momento, pois, até mesmo para ganhar músculos em uma academia, as mulheres investem em um personal trainer. Porque não dispor de uma educadora? De uma doula? Aliás, indo mais além: porque não ir em busca da educação? Educar-se para, posteriormente, educar o filho que vai chegar.

Mara Freira aponta[12] que cabe à doula ser o mais “invisível” possível, cumprindo seu papel de estar ao lado, apoiar, acolher, sem interferir nas decisões de sua cliente ou da equipe multidisciplinar (médico, parteiras, enfermeiras, outras). É importante deixar a natureza da mulher falar e agir. O corpo com seu instinto é a melhor voz a ser seguida. Contudo, há vários estudos que comprovam que certas posições proporcionam vários benefícios à mulher e ao bebê. Assim sendo, cabe à doula e à educadora perinatal orientar e proporcionar informações durante a gestação ou mesmo na hora do parto, ensinando algumas técnicas e posições que podem contribuir para um melhor bem estar (físico, emocional e fisiológico), para um melhor posicionamento do bebê. O objetivo é permitir que o corpo reaja de uma forma positiva, proporcionando um parto saudável e tranqüilo. A missão, então é de orientar e mostrar possíveis caminhos a serem seguidos, sendo que a decisão final cabe somente à mulher.

A grávida deve buscar, lutar, correr mesmo, em busca do seu enxoval. Palavra derivada do árabe, que significa o conjunto de roupas e de certos complementos, utensílios, mobiliários. Mas não daquele enxoval físico, na cor azul ou rosa do “filho-sonho”. A gestante precisa montar primeiramente o seu o enxoval da alma.

Os noves meses foram muito bem pensados pela natureza; não para forrar as gavetas do quarto do bebê, mas para forrar a alma da gestante de feminino, resgatar a fé de ser perpetuadora da humanidade e, aí sim, abrir-se, permitindo o nascimento daquela mulher e daquele filho. Dilatar, ceder, consentir, dar: verbos femininos da maternidade que precisam ser exercitados emocionalmente durante toda a gestação. A grande maioria prefere comprar, colecionar, investigar, planejar furos em orelhinhas que nem lhe pertencem. "Acabo de sair do exame de ultrassom! Está tudo bem como o bebê!". É o que mais ouve-se. Aí está todo o contra-senso: precisa-se que um médico, terceiro estranho ao vínculo, veja chuviscos na tela de um aparelho para que venha a segurança. Isto denota falta de enxoval da alma! A mulher está entregue aos médicos, aos aparelhos e não a si mesma, ao seu bebê em formação. Muitas vezes, este bebê já tem inúmeros vestidos ou sapatinhos, mas ele não tem, ainda, a sua mãe, inteira e plena, entregue, aberta.

Ficar grávida é coisa de gente grande, ou melhor, de mulher grande! Por isto ficam todas tão sujeitas, pois aposta-se tudo no mais absoluto escuro. Daí é mais fácil acreditar nas telas frias dos exames do que num corpo que nunca foi ouvido. Engravidar é a mais pura e forte lição de desapego que existe. O apego que, segundo o budismo, é a causa de todos os sofrimentos.

Deve-se entregar ao universo interior, voltar a ser o que é na essência: mulher selvagem, fiel aos instintos, entregue a si e a mais ninguém. É impossível navegar com segurança artificial pela magia da gravidez. Quantas estórias conhece-se de erros? Dever-se-ia faz exames apenas para formação de um pilar de cautela inteligente e continuar tecendo normalidade com a mente. Mas o que acontece é o contrário. Quanto mais investiga-se, mais conduz-se, pior fica, mais confuso, mais nervoso, mais invasivo, mais desrespeitoso.E é nessa sopa psicologicamente negativa e insegura que a mulher mergulha na hora do parto. "Parto? Ah, eu vou esperar normal". Infelizmente, dizer que quere um parto dignamente normal não é o suficiente.
Quem viveu a gestação com a alma infantilizada, num mundo no país das maravilhas vai se assustar muito quando conhecer o processo “carne-e-osso” que é o parto. Daí as consequencias psicossomáticas são simples: não haverá dilatação, o bebê não encaixa (mas quem não está encaixada na dinâmica, na verdade, é a mãe), a dor será insustentável, e por aí vai, todas aquelas complicações que os obstetras adoram e, volta e meia, falam orgulhosos: "eu disse, parto é uma caixinha de surpresas".

Dando continuidade à castração do feminino, num rasgo de segundo, haverá um bebê bem real, sem os cachinhos dourados dos sonhos, nos braços desta mulher e ela deverá amamentá-lo com sua alma. Mas, que alma? Aquela infantil e vazia? Não, novamente ela será vítima fácil da artificialização do amor. Seu leite será fraco, insuficiente; ou seus seios não terão bico, ou racharão, ou serão muito grandes, muito pequenos... faltará entrega, coragem, confiança, faltará uma mulher adulta.Nos dizeres de Laura Gutman[13] a mulher se deparará com a sua parcela mais recôndita da alma, encarará tudo aquilo que sempre quis esconder, disfarçar. Por isto os filhos são a melhor ferramenta de crescimento e amadurecimento pessoal que existe, mas isto, claro, aos que estão dispostos a encará-los. O choro do recém-nascido é o choro oculto da mãe. A posição vitimizada é sempre muito confortável, muito cômoda. A pose de Barbie ainda é muito valorizada. Mas não adianta se enganar! A alma cobrará pelo crescimento, mais dia, menos dia, ela aparecerá.

A gestação, o parto, a amamentação são veículos maravilhosos de crescimento da mulher, mas se ainda assim ela preferir abafar sua verdade, em algum momento esta mulher faminta virá à tona. Pode-se até se esconder por um tempo, fugir, disfarçar, mas, não há saída: O progredir infinito é a Lei Universal!




(texto criado como trabalho de formação final do curso de Educação Perinatal da ONG Amigas do Parto)

REFERÊNCIAS:

ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que Correm com Lobos. Rio de Janeiro, Rocco, 1994.

GUTMAN, Laura. A maternidade e o encontro com a própria sombra. Rio de Janeiro, BestSeller, 2010.

JONES, Ricardo Herbert. Memórias do Homem de Vidro. Porto Alegre, Idéias a Granel, 2008.

REICHERT, Evânia. Infância, Idade Sagrada. Porto Alegre, Vale do Ser, 2008.

BALASKAS, Janet. Parto Ativo. Editora Groud.

TANESE, Adriana Nogueira. Empoderando as Mulheres. São Paulo, Carla Piaggio, 2009.

www.amigasdoparto.org.br
www.relatosdeparto.blogspot.com
www.partodoprincipio.com.br
www.cienciadoiniciodavida.org.br
www.mamaeananda.blospot.com
www.nascerempaz.com/ricjones
www.wikipedia.org
www.yahoogroups.com.br

[1] Infância: A idade sagrada, p. 111.
[2] Infância: A idade sagrada, p. 112.
[3] www.wikpedia.org.br
[4] Texto: Mulheres e Gravidez hoje.
[5] Lista de discussões yahoogroups: partonosso
[6] www.relatosdeparto.blogspot.com; e www.partodoprincipio.com.br
[7] www.wikpedia.org.br
[8] Texto de Casilda Rodrigañez: El útero o El corazon arcaico.
[9] Mulheres que correm com lobos, p. 137.
[10] www.cienciadoiníciodavida.org.br
[11] Texto: Parir Sozinha www.nascerempaz.com/ricjones
[12] Texto: Conduta e ética da doula.
[13] A Maternidade e o encontro com a própria sombra, p. 33.

24 de julho de 2011

"Doulas: por que e para quê?"


por Cariny Cielo

O nascimento natural não é um tema recente, a propósito, décadas atrás, o comum era a gestante recorrer ao hospital apenas quando apresentava uma patologia, seja durante a gravidez, seja durante o parto. Com a tecnologia e os avanços da obstetrícia, o parto deixou de ser um evento fisiológico para ser um evento médico. Como foram inúmeros os prejuízos advindos do excesso de intervenções, iniciou-se um movimento contrário à medicalização do parto e de retorno à fisiologia do nascimento.

Podemos citar aqui Janete Balaskas, Michel Odent, Frederick Leboyer, entre outros que, dentro da área médica, deram início a uma forma de enxergar o evento de maneira mais natural e respeitosa. Trata-se, portanto, de uma questão de direitos humanos: do humano que está a parir, e do humano que está a nascer. Com o avanço desta consciência, avançaram também as demandas por este tipo de atendimento diferenciado e, assim, surgiram as profissões de doulas e educadoras perinatais. Mas, essa ‘demanda’ não é tão simples assim de ser explicada!

1. A assunção dos homens no cenário do parto

Porque, afinal, precisou surgir uma profissão, a de doula, para exercer o papel de suporte precipuamente emocional da mulher na hora do parto? Seria capricho, seria modismo? As mulheres não conseguem mais parir sem doula? A questão não é tão básica assim.

Michel Odent nos lembra que passamos[1], diretamente, de uma geração que não reconhecia nem privilegiava a relação mãe/recém-nascido, bem como todos os mecanismos fisiológicos de um parto, para uma geração que impingiu os homens na sala de parto.

A questão da participação dos homens no trabalho de parto, e a sua entrada no cenário de parto, introduzida em larga escala no início dos anos 70, é muito complexa, está longe de ser consensual, e tem diversos efeitos a longo prazo, tanto para a relação do casal, como para a visão que o mundo tem do parto.

A presença do homem no parto é uma adaptação decorrente da industrialização do parto e da medicalização da sua assistência: a concentração dos partos no hospital é consentânea com a presença dos homens na sala de partos. Ao transferir o parto para o hospital, local hostil à grávida que se sente sem referências de proximidade, a presença do companheiro foi pensada como benéfica para atenuar o constrangimento de estar num sítio estranho com pessoas estranhas. Foram também as mulheres a exigir esse direito de ter alguém junto com elas num parto hospitalar.

É biológico que as mulheres busquem algo ‘conhecido’ para se apoiar no momento de cisão que é o do parto. A qualidade do vínculo paterno fez com que o pai venha sido escolhido para esse acompanhamento. Mas seria o pai a figura ideal para apoiar emocionalmente a gestante durante o trabalho de parto? Ele supriria o papel da doula? Mais questões... mais complexitude.


2. Doulas existem para quê?

Adriana Tanese Nogueira destaca que ‘temos doula pra tampar uma falha monstruosa’. E a falha monstruosa é a de conexão com o feminino, de conexão entre as mulheres. A falha está na ausência de união entre as mulheres, de proximidade, de cumplicidade, de trocas. Antes, não se tinha doula, como profissão, mas tinham-se mães, tias, primas, irmãs, vizinhas, mulheres sábias, enfim.

O patriarcado transformou as mulheres em inimigas, incitando a competição. E aqui a cura passa pela redenção do Sagrado Feminino[2], “que diz respeito tanto à mulher quanto ao homem. Ao esperar respostas e soluções vindas do Céu, esquecemos de olhar para baixo e ao redor, ignorando as necessidades da nossa Mãe Terra e de todos os nossos irmãos de criação. Para que os valores femininos possam ser compreendidos e vividos, são necessárias profundas mudanças em todas as áreas: social, política, cultural, econômica, familiar e espiritual. Uma nova consciência do Sagrado Feminino surgirá tão somente quando for resgatada a conexão espiritual com a Mãe Terra, percebida e honrada a Teia Cósmica à qual todos nós pertencemos e assumida a responsabilidade de zelar pelo seu equilíbrio e preservação. O reconhecimento do Sagrado Feminino deve ser uma busca de todos, porém cabe às mulheres uma responsabilidade maior, devido à sua ancestral e profunda conexão com os arquétipos, atributos, faces, ciclos e energias da Grande Mãe.”

A mulher que assiste uma parturiente é de existência muito antiga e há registros antropológicos históricos de que as mulheres sempre contaram com o apoio de outras mulheres quando no momento de dar à luz. Esta dinâmica também surgiu por uma alteração na própria sociedade, como já dito, antes agregada em famílias numerosas. Famílias hoje, gregárias, com núcleos cada vez menores, restritos a espaços reduzidos e a um cotidiano sem muito vínculo humano.

A doula vem para corrigir um erro do sistema. Mas não pode ser só isso. Todos têm que se corrigir: médicos, enfermeiras, administração hospitalar, etc. Todos têm que absorver um pouco do que a doula traz para se tornarem mais humanos[3].


3. A doula como instrumento

Como tudo é passível de má interpretação e má gestão, muitas mulheres enxergam a doula como garantia absoluta do sucesso do parto, destruindo o essencial requisito para tal, qual seja: o empoderamento feminino. Ora, quem entrega as rédeas, as responsabilidades, o difícil, a base emocional a outrem, está se desqualificando.

O outro viés, igualmente perigoso e que vem prejudicando a visão da sociedade acerca da profissão doula, é conferir à doula atribuições que são específicas da equipe médica: conferir pressão arterial, fazer exame de toque, monitorar os batimentos cardíacos do bebê... enfim, são atividades privativas dos profissionais da área médica, mas que muitas gestantes querem que sejam assumidas pelas doulas – e muitas vezes são – como intuito de, por exemplo, depois, divulgar e dar publicidade de um parto desassistido, como se o nascimento fosse um show com as estrelas puérpera e doula. Prejudica a essência da missão ‘doula’ quando as mulheres passam a desejá-las como deseja o enxoval do bebê.

A doula é, portanto, em essência, um instrumento para o empoderamento feminino. Seria esta a razão, então, da figura da doula como profissional da área de humanas que prestará serviços de apoio emocional e físico à gestante e parturiente. Sua atuação pode se dá de várias maneiras. Talvez, exatamente por isto, a questão da ética e da responsabilidade no trato da questão seja tão delicada. A tênue linha que separa o profissional do amadorismo deve ser constantemente checada, afinal, não estamos falando de uma ajuda ‘amiga’, embora a doula seja lato sensu a ‘melhor amiga da parturiente’; estamos falando de atuação profissional, com limites muito bem definidos, dentro da área da saúde e dentro da área de humanas.

A doula não é enfermeira, não é psicóloga, não é parteira, mas pode e deve indicar profissionais adequados para cada demanda da gestante, inclusive, ajuda profissional psicológica se verificar que há esta real necessidade.

Com ferramentas cada vez mais avançadas de pesquisa em internet, redes sociais etc, é comum que muitas pessoas se auto-mediquem, por exemplo. Em uma pesquisa rápida, facilmente vemos inúmeros contatos de gestantes via internet trocando receitas de medicamentos, tratamentos, enfim. Trata-se de um costume que deve ser desencorajado pelas doulas e educadoras, pois nada jamais substituirá o acompanhamento de um profissional da área. O que pode ser feito é ajudar esta mulher a encontrar o melhor acesso à informação de qualidade.


4. Doulas e o reconhecimento da profissão

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e Ministério da Saúde no Brasil reconhecem as vantagens da presença da doula na hora do parto e em 2013 o Ministério do Trabalho e Emprego Brasileiro cadastrou esta ocupação na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO n. 3221-35) .

A doula serve, na atualidade, para orientar e apoiar a gestante no sentido de fazer suas escolhas de forma esclarecida, após receber todo tipo de informação, à exaustão, para então conseguir de forma empoderada, dizer exatamente o que quer e como quer para o hospital, para a equipe médica. A doulagem tem, assim, o condão de, no mínimo, apontar a esta mulher todas as transformações pelas quais ela está passando e passará com o parto e o nascimento do filho. Ainda que estas informações não promovam mudanças significativas nesta ‘cliente’, ao menos restou a garantia e a segurança de que esta teve acesso a toda a informação e, democraticamente, com liberdade, escolheu seu caminho. Isto é amadurecimento social e individual.

Num mundo ideal, todas as mulheres que desejassem, independentemente de poderem ou não pagar, deveriam ter acesso à doula, e à educação perinatal. Isto reduziria, inclusive, gastos públicos na área da saúde com o incentivo à gestação consciente e saudável, ao parto natural e ao aleitamento materno. Trata-se de uma visão preventiva sobre a gestação, parto e puerpério e não intervencionista, como atualmente vemos nossa saúde pública.

A doula exerce um papel decisivo na esfera humana da relação gestante-equipe médica, já que não pode realizar nenhum procedimento nesta área. Seu papel é mais sutil, no entanto, muito impactante. Ela nutre a gestante de informações, de confiança e segurança para que esta discuta suas observações com os seus cuidadores.


5. A doula que não pariu

Parir é uma parte importante do crescimento/evolução da mulher, enquanto fêmea. Mas será que uma doula que já passou pela experiência do parto é melhor do que uma que nunca pariu?

O ser humano tem a especial capacidade de se colocar no lugar do outro e, neste aspecto, restou claro que uma doula, pelos simples fato de ser mulher, já pode ‘se colocar no lugar de’ e agir positivamente no intuito de atender as necessidades deste julgamento, desta análise, e mais ainda, deste sentir.

O trabalho de empoderamento e de sensibilidade é provável que tenha que ser maior (já que falta esta importante vivência ‘na carne’), mas o chamado e a vontade de doular pode ser algo tão do íntimo e tão forte que vencem os obstáculos da falta de experiência pessoal.

Por outro diapasão, fica claro que o inverso, ou seja, quando chegar – se chegar – o momento desta doula parir ela trará bagagens infinitas a sua atuação e poderá enriquecer seu trabalho com percepções infinitas, que sequer se pode cogitar.


6. Doulas, até quando?

A questão que surge é a de que, com o avanço da consciência e o empoderamento feminino, a figura da doula deixe de existir, mormente como profissão. Seria então, como dito acima, uma profissão surgida de necessidade da atual sociedade. Num mundo ideal, as mulheres já são, por si só parceiras, baluartes umas das outras e, no momento do parto, é quando isso será mais verificado e constatado.

Concluiu-se que, no dizeres de Adriana Tanese Nogueira, “idealmente, um dia a figura da doula morre, sim. Como a da psicoterapeuta! O meu trabalho existe por conta do abismo de ignorância a respeito da psique, de como funciona, de como entendê-la, da falta de educação psicológica, sentimental, emocional e espiritual. Mas falta muito ainda, temos trabalho para algumas gerações.”


7. A doulagem e a auto-análise

O livro Guia da Doula[4] fala dos transtornos que uma doula causou num parto e que ao chegar outra, o tanto que as coisas 'andaram'. Sabe-se de situações em que doulas bateram boca com a equipe médica, julgaram a família da gestante, julgaram a própria gestante, usaram o trabalho de parto como palco para exibicionismos, principalmente nas redes sociais.

E é muito complicado falar que para ser doula, você precisa fazer terapia, tal qual ocorre com os psicólogos, por exemplo. Pois, a doulagem hoje envolve muito brio, muito orgulho, muita prepotência. Geralmente, como são mulheres que agregam muitos outros conhecimentos (yoga, acupuntura, reiki, psicologia, etc) costumam acreditar que estão prontas, que não precisam de ajuda. No entanto, as doulas verdadeiramente comprometidas com a fidelidade e qualidade de seus trabalhos estão em constante auto-análise.

Percebe-se a profissão, antes mesmo de ser reconhecida, sofre alguns preconceitos, com doulas sendo chamadas de debochadas, xiitas, loucas, irresponsáveis etc. É terrível pra profissão, é terrível pro movimento. Há que se cuidar para não perder a chama do ativismo (falaremos depois) – necessário e vital pro movimento – e preservar-se para manter a beleza da atuação.

De outro turno, toda doula deve estar preparada para decepções. Não criar expectativas é um desafio e não projetar na outra o próprio ideal de parto. Onde há decepção, há julgamento.

Acho que esse deve ser, sem dúvida, um desafio pra profissão. Acompanhar uma gestante durante o 7o, 8o e 9o mês e com 40 semanas o médico a convencer de alguma emergência – reconhecidamente inexistente - e marcarem uma cirurgia. Surgem os questionamentos ‘onde erramos’, ‘onde falhamos, sendo que, em essência, não é cabível este tipo de sentimento. Trata-se do exercício do desapego. É a entrega absoluta pelo bem da gestante, sem apego.

A inteligência emocional[5] vai entrar em cena, como bem aponta Adriana Tanese Nogueira, “mostrando-se como a capacidade de ENXERGAR e CONHECER as próprias emoções, sem julgá-las. Não há que se ter um modelo ideal de como sentir e do que sentir. Este é um instrumento de auto-conhecimento, e quem quer se conhecer não pode ter a priori uma lista de coisas que não quer reconhecer em si.”


8. A doula e o ativismo

Entrar no movimento mundial de humanização do nascimento e parto é quase inevitável às doulas. Conhecer o feminismo, o empoderamento feminino, as questões de gênero e os fundamentos da sociedade patriarcal. Não há como doular, sem apresentar à gestante a realidade obstétrica nacional na qual ela está inserida e contra qual terá que lutar.

É impossível defender a humanização do parto e nascimento sendo machista! O patriarcado tem que ficar de fora e muitas vezes isso dá um choque dentro da gente, que cresceu em educação machista, em sociedade patriarcal. Muda-se completamente a forma de enxergar a maternagem, a posição de esposa (se for) e profissional depois de entrar pro movimento e compreender que ele é, essencialmente, feminista.

Existe muita questão envolvendo o gênero feminino quando o assunto é gravidez e parto e a doula tem que está a par disto pra servir de esteio à gestante que trará estas demandas. Muitas vezes, as grávidas acham que é normal, é natural, é ‘da mulher’ ou é ‘do homem’, pensar desta ou daquela forma, e a doula pode apresentar um mundo novo... um mundo de ideal de igualdade, mas bem duro de se fazer leitura e crítica.

Ouve-se coisas como 'vc vai deixar sua mulher estragar o playgroud num parto normal?' ou ainda sobre os seios pertencerem ao marido e não ao bebê. Impossível não provocar grandes revoluções na gestante quando ela se dá conta do machismo disfarçado e de que seu corpo sempre foi coisificado. Existe, inclusive, um prestígio gigantesco dado pelas gestantes aos médicos, principalmente os que são há anos ‘da família’, mesmo quando eles reconhecidamente estão decidindo em desfavor da mulher e do bebê. Mas é isso mesmo que se observa, ainda que seja a mulher que pari, se houver um homem no cenário, foi ele que ‘fez o parto’.


Conclusão

A figura da doula moderna, em suma, navega por mares de poesia e de profissionalismo. É o preenchimento da lacuna de solidão a que todas as mulheres estão submetidas na sociedade atual. É a mão amiga no maior e mais feminino ritual de vida que existe. Orienta, instrui, mobiliza o pensamento crítico, o auto-conhecimento. E acalenta, conforta... corre invisível pelas margens do trabalho de parto, de forma a garantir o bem estar da protagonista mor.

É a que esclarece e que mostra a luz... àqueles que querem enxergá-la. É o bálsamo em chagas do patriarcado.


Referências:
[1] Intervenção proferida durante a Conferência "Birth is a Human Rights Issue", da Midwifery Today, em Setembro/Outubro de 2010, em Estrasburgo, subordinada ao tema "Natural Approaches in Birth and Parenting - From Physiology to Practice"

[2] Mirella Faur: http://www.teiadethea.org/?q=node/92

[3] Adriana Tanese Nogueira, curso doula-parto ONG Amigas do Parto

[4] Adriana Tanese Nogueira: Editora Biblioteca 24 horas

[5] Curso Doula-parto ONG Amigas do Parto (o título do post encabeça um capítulo deste livro)



Post de 2011 atualizado em 2013.


Imagem daqui

20 de junho de 2011

ALERTA: Rondônia foi o campeão nacional de nascimentos por cesariana


Em recente resultado fornecido pelo DATASUS do Governo Federal, Rondônia restou com um destaque preocupante. Em 2008*, fomos o Estado com o maior número de nascimentos por via cirúrgica do país. Ficamos em último lugar no ranking de partos por via vaginal. Somente 40% dos bebês nascem de parto normal, sendo que, segundo a Organização Mundial de Saúde, este índice deveria ficar em no mínimo 85%.

Acredita-se que este número é infinitamente maior na rede de saúde suplementar, onde hospitais particulares praticam índices ainda mais alarmantes de cirurgias cesarianas. A questão do excesso de “medicalização” do nascimento é nacional, sendo que Rondônia ficou em último lugar! Da região norte e nordeste do país fomos o único Estado em que o número de cesarianas superou o de partos.

Quantos destes mais de 15 mil nascimentos por cesariana (contra 10 mil de parto vaginal) foram fruto de real necessidade advindos de risco iminente para a mãe e para o bebê (lembrando-se que esta é a razão pela qual a cirurgia deve ser indicada)?

Por outro turno, cabe aqui uma reflexão. O parto vaginal oferecido pelas maternidades parece que em nada atrai as gestantes mesmo com as vantagens inegáveis de recuperação rápida. As poses das atrizes dizendo “deixe a vida acontecer naturalmente” nas campanhas do Governo Federal parece que não têm convencido as parturientes. Qual seria a razão disto?

A resposta a esta questão possui esferas físicas e emocionais profundas mas é fácil imaginar que o parto oferecido como normal em nada se parece com a vivência verdadeira de nascimento a que todas as mulheres, mesmo que ainda no plano inconsciente, anseiam profundamente.

A começar pelo atendimento frio e distante, os comentários inoportunos, o acesso venoso, o uso indiscriminado de ocitocina sintética que torna as contrações insuportáveis, lavagem intestinal, corte dos pelos pubianos, roupa de hospital, isolamento, posição litotômica (deitada), que pressiona as veias cavas e causa grande desconforto para a gestante podendo resultar em deficiência de oxigênio para o feto. Não menos contraditório ainda tem o alívio farmacológico da dor que limita a movimentação da mulher através do acesso espinhal para peridural, sendo que já existem evidências de inúmeros meios não fármacos de alívio da dor fisiológica do parto. Digo fisiológica porque aquela dor proveniente do uso de hormônio sintético, ocitocina, não é fisiológica e torna-se, inúmeras vezes, insuportável para a mulher. Por fim, como que para assinar o grande final tecnocrata de ‘gestão do nascimento’, cortam-lhe o sexo, por meio da episiotomia, e fazem a cessão abrupta do cordão umbilical, com a pecha de apressar o nascimento. Mas, quem tem pressa?

Não, esta não é a vida acontecendo naturalmente. Essa série de condutas adotadas rotineiramente em grande parte das maternidades do país são fruto de uma única e sinistra síntese: o parto não pertence mais à mulher. O ato de parir, antes um evento feminino, ativo e importante da vida sexual passou a ser passivo, um ato médico, completamente entregue à tecnologia. A mulher, antes protagonista, virou paciente. Seu útero agora é alvo de investidas cada vez mais poderosas que começam com as ultrassonografias de rotina e findam em seu corte, sua e exposição, no nascimento por cirurgia. O feto, um ser humano, virou algo a ser expelido do corpo gravídico o mais rápido possível... restando novamente a pergunta: de quem é a pressa?

O que antes era aterrorizante – o numero de mulheres e crianças que morriam no parto – findou por aterrorizar de tal forma a sociedade que durante décadas passou-se a acreditar que a solução para as trágicas mortes seria gerenciar completamente o nascimento.

Hoje, no entanto, temos a oportunidade de parir naturalmente, com dignidade e respeito, mas com toda a tecnologia disponível para agir, de pronto, se necessário. A problemática surgiu em se utilizar o “se necessário” como regra, transformando todas as intervenções médicas em rotinas obstétricas. O nascimento, maior encontro de nossas vidas – o de nós, recém-humanos de fato, com nossa origem – virou frio, distante e, em muitos casos, traumático para o bebê que ingressa na vida independente com registros negativos de isolamentos e violações, além de causar horror também a mulher que ingressa na maternidade sem viver, plenamente, seu rito de passagem ao universo feminino.

Se for necessário que se faça uma cirurgia, que ela seja humanizada e não mecânica tal qual se extrai uma vesícula. Para os médicos é apenas mais um dos inúmeros procedimentos que farão no dia, mas para os pais e para o feto é o momento único de formação de uma família e perpetuação da humanidade.

O movimento pela humanização do nascimento já está muito bem formado no Brasil e no mundo. Resta às mulheres tomar conhecimento desta tendência e lutar pelos direitos de parir com dignidade e garantir um nascimento respeitoso para seus filhos. Em novembro passado, houve a Conferência Internacional da Rede Pela Humanização do Nascimento, em Brasília, com autoridades de vários países, todos apresentando dados alarmantes de violência à mulher e ao feto na hora do parto, mas também apontado experiências de sucesso e evidências científicas de que a humanização do nascimento pode andar de mãos dadas com a tecnologia conquistada pela medicina moderna. (www.rehuna.org.br)

A Sociedade Brasileira de Pediatria, recentemente, emitiu mudanças nas normas de reanimação neonatal incluindo o corte tardio do cordão umbilical como melhor prática a ser adotada nos nascimentos. Comprovou-se por estudos que o sangue que o bebê recebe após o nascimento durante alguns minutos em que a placenta ainda funciona garante-lhe uma rica reserva de oxigênio e nutrientes, entre eles o ferro.

Gradativamente, graças à força que os movimentos de respeito ao parto e nascimento proliferam em todo o mundo e à adesão por profissionais das mais diversas áreas, muitas das ações que antes precisavam ser exigidas no momento do parto, agora é regra médica ou garantida por lei, e isto é digno de comemoração. No Brasil temos a Parto do Princípio, uma rede formada por mulheres de todas as regiões que militam pelos direitos relativos ao feminino, realizando diversas ações locais e nacionais. A onda é mundial e no Brasil temos grandes nomes de respeito entre obstetras, pediatras, enfermeiros e terapeutas nos mais diversos campos. No entanto, muito trabalho ainda precisa ser feito, principalmente por nós, mulheres, que queremos o melhor para nós mesmas e para nossos filhos. (www.partodoprincipio.com.br).

Não, ainda não dá para, parafraseando a campanha do governo federal, “deixar” a vida acontecer naturalmente, porque o cenário para permitir este evento ainda não está montado! Hoje, costumo dizer, ainda estamos nos tempos de “lutar” para que a vida aconteça naturalmente; principalmente em nosso Estado, como os números vergonhosamente nos apontaram.


Vamos à luta então!

*Adendo: Fonte DATASUS: Em 2009 e em 2010 também continuamos em primeiro lugar. O post é de 2011, mas o assunto continua alarmante, como o gráfico demonstra! Em 15/07/2013

12 de junho de 2011

Respeitem o claustro materno: ultrassonografias de rotina não!


Este texto me foi passado pela PHD Eleanor Luzes. A conheci em 2010, em Brasília, num curso de Ciência do Início da Vida. Eu achei interessantíssimo e, com autorização dela, replico aqui!



ULTRASSOM: HISTÓRICO e ANTROPOLOGIA
 
O ultra-som foi desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial para detectar os inimigos, tendo mais tarde outros usos na indústria do aço. Em 1955, em Glasgow, o cirurgião Ian Donald adaptou o ultra-som para perceber densidades de tumores abdominais, pois cada tecido tem uma densidade própria e produz um “eco”. (WAGNER, 1999).

Em 1957, usou pela primeira vez para diagnosticar desordens fetais , depois detectar a gravidez em si. O ultra-som foi recebido com suspeita, em especial em relação ao seu uso em gestantes. (PORTER, 1997). Até 1963 esta tecnologia havia sido comercializada e, até meados da década de 70, havia se expandido, começando a ser destinada ao uso obstétrico. Nos EUA, devido aos seguros de saúde 70% das grávidas passam pelo ultra-som; na Europa 98% (pelo menos um por trimestre) (LEVI, 1998). Na Austrália, 99%.

No Reino Unido, Baverley Beech, um ativista dos direitos do consumidor, chamou o ultra-som de “o maior experimento sem controle da História” e a Cochrane Collaboration, maior autoridade em Medicina Baseada em Evidências, diz que é possível que o ultra-som seja prejudicial durante a gravidez. (WAGNER, 1999).
Em 1984 nos EUA, a conferência de consenso do National Institute of Health advertiam que os dados disponíveis sobre a eficiência e a segurança do ultra-som, não permitiam a sua recomendação como técnica de rotina. (CHAZAN, 2007).
Na Inglaterra no mesmo ano o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists, ainda que reconhecesse a necessidade de mais pesquisas afirmou que haviam “razões convincentes para supor benefícios a todas as mães e bebês advindos de um escanemento bem feito entre 16-18 semanas de gravidez”. (CHAZAN, 2007).
A teoria do Bonding de Marshall Klaus, John H. Kennel e Phyllis Klaus sobre a ligação mãe e recém-nascido, passou a ser vista como mãe-feto, desde 1970, com bases marcadamente biologizantes (ARNEY, 1982).
A aliança entre medicina e a lei em alguns casos inverteu a hierarqueia mãe-feto, atribuindo autonomia de tal ordem que o feto passou a ter hieraquicamente mais diretos civis que as mães, como é o caso em vários estados dos EUA.
Michèle Fellous em estudo na França nos anos 90, constatou que o interesse sobre os batimentos fetais era mais importante que imagens e o interesse pelo ultra-som caia quando as grávidas começavam a sentir os primeiros movimentos fetais.
Segundo o radiologista HD Meire, que trabalha com isto há 20 anos, o fato de se usar uma máquina poderosa de investigação não quer dizer que sejam também poderosas as informações advindas dali. O ultra-som expõe ao aumento da temperatura intracraniana. (BARNETT, 2001).
Em um estudo, o espectro do pulso do ultra-som Doppler produziu significativo aumento da temperatura do cérebro fetal. Esta temperatura máxima acontece em 30 segundos, caso a temperatura aumente quatro graus Celsius é o suficiente para ocorrer lesão. Mas o fato é que o ultra-som expõe ao aumento da temperatura intracraniana. (BARNETT, 2001)

Os mamíferos possuem, em seus tecidos, pequenas bolsas de gás que com aquecimento podem colapsar os tecidos. Estudos de laboratórios vêm mostrando que células em crescimento expostas ao ultra-som podem causar anomalias que perduram por gerações. (LIEBESKIND et al, 1979)
In vitro, ocorrem alterações somáticas e teratogênicas. (HEDRICK e HYKES, 1991)
Em ratos, afeta a membrana de mielina que recobre o nervo, que é semelhante à humana. (Ellisman e colaboradores, em 1987).
Em outro estudo, camundongos foram expostos a dosagens típicas usadas em obstetrícia e viu-se que o ultra-som causou 22% de redução da divisão celular e dobrou a apoptose (suicídio celular) das células intestinais das cobaias. Houve redução em 22% dos índices de mitoses, após quatro a cinco horas depois da exposição. A apoptose no corpo aumentou de 153% na primeira hora para 160% entre a quarta e a quinta horas. (STANTON et al, 2001)
Newnham e colaboradores, mostraram, em 1993, em estudo experimental randomizado e controlado na Austrália, que mulheres que fizeram cinco vezes ultra-som deram à luz bebês de mais baixo peso do que aquelas que fizeram somente um exame. Em geral, o baixo peso está associado a um não desenvolvimento pleno do cérebro. (CHAMBERLAIN, 1995)

Clínicos defendem o ultra-som de rotina durante a gravidez para descobrir anomalias congênitas, gravidezes de múltipla-gestação, crescimento fetal desordenado, anormalidades de placenta e erros na estimativa de idade gestacional.

Foi realizada uma tentativa randomizada, que envolveu 15.151 mulheres grávidas de baixo risco para problemas perinatais, a fim de pesquisar se o ultra-som diminuiria a freqüência de resultados de perinatais adversos. Definiu-se como resultado perinatal adverso morte fetal, morte neonatal, ou morbidez neonatal, como hemorragia intraventricular. As mulheres, nomeadas fortuitamente ao grupo de ultra-som-blindagem, sofreram um exame ultrasonográfico, entre 15 e 22 semanas de gestação, e outro entre 31 e 35 semanas. As mulheres do grupo controle somente sofreram ultrasonografia por indicações médicas, conforme identificado por seus médicos. Os índices de pretermo e a distribuição de pesos de nascimento eram quase idênticas nos dois grupos. A descoberta ultrasonográfica de anomalias congênitas não teve nenhum efeito no resultado perinatal. Não havia nenhuma diferença significativa, entre os grupos, sobre gravidezes de pós-data, gravidezes de múltipla-gestação ou crianças que eram pequenas para a idade gestacional. Conclui-se que o ultra-som somente se justifica quando a indicação se faz necessária e não se observou vantagem em seu uso de rotina. (EWIGMAN et al, 1993).

Outro estudo mostrou que 10 minutos de exposição ao ultra-som em ratas grávidas afetam o aprendizado de habilidades locomotoras nos ratos adultos, como observou Suresh e colaboradores, em 2002. (BUCKLEY, 2005)
Camundongos albinos, expostos a diagnóstico de ultra-som, havia alterações significantes de comportamento em todos os três grupos expostos, como revelado pela diminuição das atividades locomotora e exploratória e pelo aumento do número de tentativas necessárias para aprendizado. Isto indica que o ultra-som, durante a vida fetal, pode alterar o desenvolvimento cerebral do camundongo na vida adulta.
(DEVI et al, 1995).

De 1.628 mulheres grávidas da população geral, 825 mulheres foram alocadas em exame de ultra-som entre a 18a e a 32ª semanas de gestação, além de cuidado pré-natal de rotina. 803 mulheres receberam uma única exposição ultrasonográfica e somente poderiam realizar outra caso houvesse precisa indicação clínica. A incidência de gravidezes pós-termo era aproximadamente de 70%, no grupo de exposição a ultra-som. Fica claro que, nas mulheres não submetidas ao ultra-som, com freqüência não há indução de trabalho de parto por avaliação de pós-termo. (EIK-NES et al, 2000)

Os estudos epidemiológicos sobre exposição humana de ultra-som na gravidez foram revisados. Eles concentraram possíveis associações de ultra-som in utero com câncer na infância, alterações do desenvolvimento neurológico, dislexia, tendência a uso da mão esquerda, atraso na fala e nascimento de baixo peso, quando houve muita freqüência de exposição de ultra-som Doppler. (SALVENSEN e EIK-NES, 1995)


James Greenleaf, Paul Ogburn e Mostafa Fatemi, da Fundação Mayo Rochester, investigaram a possibilidade de o ultra-som ser ouvido pelo feto, devido às vibrações secundárias no útero. As máquinas geram pulsos que partem em décimos de segundo e isto acontecendo de modo contínuo pode ser ouvido no tecido examinado. Colocaram um hidrofone no útero durante o exame e o som ouvido era similar às notas altas do piano. (SAMUEL, 2001)

Em pesquisa no Reino Unido também se verificou que o ultra-som de pulso Doppler tem som relativamente alto. (HENDERSON et al, 1995)
MOLE indica, em artigo de 1986, que a exposição ao ultra-som causa morte celular em animais e que, esta exposição no período entre a 16ª e a 18ª semanas, pode gerar alterações funcionais de neurônios nos hemisférios dos indivíduos. (BUCKLEY, 2005)

Estudos em humanos têm mostrado efeitos adversos do ultra-som; como ovulação prematura, vista por Testar e colaboradores, em 1982; aborto e trabalho de parto prematuro, vistos por Saari-Kemppaine e colaboradores, em 1990, e Lorenz e colaboradores, também em 1990; morte perinatal, vista por Davies e colaboradores, em 1992. (BUCKLEY, 2005)
Na Noruega, 2.161 crianças, (89%) dos escolhidos de 2.428 nascidos de gravidez não gemelar. Percebeu-se que há indicação de que a exposição ultra-sonográfica tenha relação com lateralização diferente da média. (SALVENSEN et al, 1993).

Em estudo na Suécia, entre 1973 e 1978, através da observação da população masculina quando do alistamento militar, viu-se que a incidência de canhotos era maior naqueles que tinham sido mais expostos a ultra-som, durante o pré-natal. (KIELER et al., 2001, KIELER et al., 2002) Ainda na Noruega, em uma amostra maior de 4.714 crianças, o mesmo fato foi observado. (SALVENSEN et al, 1999) Outro estudo na Universidade de Upsala, na Suécia, que comparou os nascidos entre 1985 e 1987, notou que a propensão à condição sinistra era maior entre meninos. (KIELER et al, 1998) Na Irlanda, dados similares foram achados sobre fetos que, expostos a ultra-som, apresentavam mais tendência a serem canhotos.(HEPPER et al, 1991)
Na Austrália, de 2.834 gestantes de gravidez do grupo exposto, as crianças nasceram de mais baixo peso. (NEWNHAM et al, 1993)

Numa amostra, 603 das 2.428 crianças expostas a ultra-som apresentavam dislexia. (SALVENSEN et al, 1992). A
dislexia também foi pesquisada por Stark e colaboradores, em 1984. (BUCKLEY, 2005)
Campbell estudou 72 crianças com atraso de fala, entre as idades de 24 e 100 meses. Todas elas tinham tido alto nível de exposição ao ultra-som, durante a vida fetal. (CAMPBELL, 1993)
Dois estudos randomizados, de longa duração, controlados na Suécia e na Noruega, compararam exposição, menor exposição ou nenhuma exposição ao ultra-som e o que se observou foi o efeito negativo sobre: desenvolvimento das crianças até oito e nove anos, medindo os efeitos no crescimento e alteração no desenvolvimento da audição, como demonstrado por Salvesen e colaboradores, em 1992; outros artigos, nos anos de 1992, 1993, 1994; e Kieler, em 1997. (BUCKLEY, 2005; KIELER et al, 1998).

Ultrasom de rotina é uma prática que não se provou resultar eficiente, mas, ao contrário, o uso caótico de tal rotina leva à repetição excessiva de exames, com o agravante de criar a visão, que se converte em uma tendência, de que a descoberta muito precoce de defeitos fetais e anomalias cromossomiais pode se dar através deste procedimento o qual, por seu turno, leva à maior argumentação para blindagem de rotina. O que deveria haver, na verdade, era um melhor preparo de quem maneja o aparelho para poder avaliar a realidade de existência de anomalias congênitas. (LEVI, 1998)


Ultrassom rotineiro está definido como um procedimento de blindagem, normalmente executado na população obstétrica total, entre 18 e 20 semanas de gestação. Tais procedimentos podem conduzir à ansiedade desnecessária, se há um resultado falso-positivo, ou para um falso-senso de segurança, se há um resultado falso-negativo. Literatura extensa não fornece nenhum suporte sobre a melhoria na mortalidade ou morbidade perinatal, nem sobre uma redução global em intervenção desnecessária com ultra-som rotineiro. O papel da ultrasonografia de rotina, e sua validade como um teste de blindagem para malformação fetal em uma população de pouco risco, ainda é o objeto de debate. (ANTSAKLIS, 1998)

O ultra-som expõe ao aumento da temperatura intracraniana. Tem som alto. Alterações do desenvolvimento neurológico, dislexia, tendência a uso da mão esquerda, atraso na fala e nascimento de baixo peso. Quando houve muita freqüência de exposição de ultra-som Doppler.
O ultra-som provoca três efeitos: o térmico, o de cavitação e a radiação, Atinge o gás nas células e causa explosão – especialmente em neurônios. O ultra-som somente se justifica quando a indicação se faz necessária e não se observou vantagem em seu uso de rotina.

Ao longo da observação de 9 meses em 3 clinicas do Rio de Janeiro, antropóloga concluiu: “tornou-se claro que naquele universo, no que dizia respeito à produção de verdades, o eixo subjetividade/objetividade se fazia presente de modo cotidiano e dinâmico na prática dos atores”. No tocante às “verdades médicas”, pode-se considerar que haveria um predomínio do aspecto ‘objetivo’, pois com freqüência elas eram apresentadas como dados matemáticos, quantificáveis, traduzidos em números, tais como idade fetal, peso, tamanho, fluxos sangüíneos etc. (mesmo que, a rigor, essas informações fossem apenas estimativas produzidas pelos aparelhos, os atores lidavam com elas como se fossem dados concretos)” (CHAZAN, 2007, p. 117)

“O prazer de olhar e seu correspondente – o de ser visto – são constantemente alimentados por novas tecnologias visuais.” – (CHAZAN, 2007, Exercendo o biopoder para gerenciar a vida).
A atividade fetal observada por meio de imagens é resignificada pela subjetividade dos atores presentes – médicos, gestantes e acompanhantes – que criam interpretações as mais diversificadas e imaginosas. (CHAZAN, 2007, BERGERET, SOULÉ, GOLSE, 2006). Todos os médicos no universo etnográfico da pesquisa de Chazan em 3 clínicas, por 9 meses, tinham a consciência de que havia uma dose de subjetividade na decodificação das imagens, e se ressentiam da atribuição da objetividade seja pelos seus colegas, seja por seus pacientes. (CHAZAN, 2007)


O “prazer de ver” as imagens fetais, e isto implica em filmes, sessões de filmes em casa com famílias e amigos leva a uma demanda que retroalimenta a demanda das gestantes por este tipo de exame. (KEMP, 2005).
É digno de nota a marcação do exame com finalidade única de ver o sexo do feto, e este comportamento não é verificado em outros países. (CHAZAN, 2007). O exame acaba por ter uma faceta médica e outra de entretenimento, com platéia variável. (CHAZAN, 2007).


A imagem, o consumo, correm juntas. Marketing é imagem, e a gestante, por exemplo, ao saber do sexo do bebê, dispara as compras “devidas”. É como se neste ato de consumo já começassem a cuidar de seus filhos – obedecendo a uma conexão “consumo-amor (MILLER, 2002)


A ênfase na visão do interior do corpo grávido e na busca por essas imagens coaduna-se, por seu turno, com a voga biologizante, fisicalista, de culto ao corpo, moeda corrente no universo observado por Chazan.


A conseqüência do ultra-som fetal é a antecipação da existência social do feto, através da tecnologia, modelando as culturas: visual, do corpo, de consumo e de monitoramento. (DUMIT & DAVIS-FLOYD, 1998, DOWNEY & DUMIT 1997, HARAWAY, 1991, e muitos outros)

(Fonte: Eleanor Luzes, PHD Ciência do Início da Vida)
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