22 de outubro de 2011

Relato de parto: Nascer em casa, nascer em paz...


por Cariny Cielo

E eis que o “Dia da árvore” chegou. Amanheceu 21 de setembro e minha comunhão com o bebê era tanta que eu já pressentia que algo estava por vir. Acordei e quando fui ao banheiro, o anúncio: sangue. A visão me trouxe euforia, como se uma grande festa estava começando. Contei pro meu marido que havia ‘chegado a hora’. Era para ele se preparar. Fomos, os dois, em um dos médicos que me acompanhava no pré-natal e, no exame, eu já estava com 3-4 cm de dilatação. Pronto, era este dia! O grande dia!

Eu oscilei entre chamar assistência (que viria de Porto Velho, capital, há 470 km), ou ficar somente eu e meu marido. Hoje eu vejo que apenas não queria admitir para mim mesma, para a minha parcela racional e masculina, que queria mesmo era parir sozinha. Meu marido me ajudou a dar um decisivo passo me dizendo: “ou vai ser só nos dois ou iremos pro hospital”. No fundo eu sabia o que isso queria dizer: seria só nos dois, pois hospital nunca foi uma opção para mim. Há meses, quando me vi grávida, eu sabia exatamente onde e como o bebê, aquele ser de luz que estava nos escolhendo, queria nascer.

Precisei fugir para a mata para me permitir. Sim, peguei meu carro, no fim da tarde, e fui para um hotel de selva. Fiz toda uma trilha ecológica, sozinha, chorando, pensando, meditando... acompanhei o pôr do sol, repetindo para mim: “quero porque é certo!”. Lembrei do livro “Ciranda das Mulheres Sábias” que resolvi ler faltando dias para o parto. Conversei com a Mãe Terra, me senti canal, virei mulher, virei sábia e quando cheguei em casa, à notinha, abracei meu amor, nos emocionamos juntos com tudo que estava por vir. Os filhos maiores entraram na energia e também integraram a emoção.

Éramos mesmo, agora, somente eu, ele e nosso filho. Às 22:54 minha mensagem para a Thayssa, minha doula à distância: “to indo tentar dormir, me deu um sono louco, tá de 10 em 10 min. perdi o tampão”. Às 02:00 alguma coisa me acorda e, pronto, chegou minha hora, a nossa hora. O Uillian me vê e pergunta se eu quero algo. Ele liga música, busca algo para eu beber e, pronto, a jornada do nascimento estava dando início.

Despedi-me do dia 21, passei a madrugada em trabalho de parto. Acredito que a natureza foi muito benevolente comigo, pois em momento algum tive contrações muito próximas ou muito dolorosas. Aliás, lembro de volta e meia pensar: "cadê a dor? cadê o ritmo?". Cheguei a achar que sequer estava em trabalho de parto verdadeiro, já que foi tudo muito suave, muito misterioso mesmo. Eu dormia profundamente entre as contrações e, num dado momento fiquei sentada na bola e encostei minha cabeça na cama, foi uma delícia e acho que ajudou o bebê a ir se encaixando. Meu marido cochilava junto comigo, quando dava.

Eu sabia que devia me movimentar, ficar na vertical... lembrava de tudo que eu havia gravado fundo na minha mente. Era como se agora eu agisse automaticamente, como resultado do que eu tinha aprendido e apreendido. Era muito reconfortante, me sentia segura, em terreno conhecido.

Fui ao banheiro diversas vezes. Caminhava pelo meu quarto, pelo meu território, com o meu cheiro. Olhava aquele cenário que durante meses eu gravei, visualizei e sonhei. Não havia outro lugar no mundo onde eu deveria estar, que não ali. Não havia outras pessoas a me acompanhar que não o meu homem, o meu eleito. Estava tudo perfeito! Via aquela mulher, no espelho, nua e olhava aquela barriga linda e dizia: Adeus...

Depois da cada contração, o bebê se movimentava e isso me deixava ainda mais solta e relaxada. Uma comunicação mesmo, uma conexão. Estávamos juntos naquela viagem de partida e de chegada. “Deus meu, como eu sonhei com este dia...”

Quando fiquei me sentindo confusa e cansada e, principalmente, ainda achando que as coisas não estavam engrenando, olhei pra janela do banheiro, vi que estava amanhecendo. Pedi pro meu marido a banqueta de cócoras que eu havia mandado fazer e fui pro chuveiro quente. Não tenho a menor noção do tempo que fiquei lá, completamente em transe. Meu marido aproveitou para dormir. Eu acredito que nesta hora eu estava bem na fase de transição, chegando aos 10 cm, mas era tudo muito suave, muito místico para mim.

Saí do chuveiro e deitei-me na cama com aquela sensação maravilhosa de calor do banho e apaguei. Lembro-me de dizer para o bebê que eu precisava de uma trégua, um descanso. E, sim, ele me respondia! Que milagre! E então, parou tudo, veio uma calmaria, feito bálsamo. Não sentia mais contrações nem desconforto e dormi profundamente. O bebê mexia o tempo todo. Sentia seus pés nas minhas costelas e sua cabeça pressionando meu baixo ventre. Acordei e disse pro meu marido que eu precisava ir ao banheiro. Era o período expulsivo começando...

Liguei pra Thayssa e disse que não sabia se era hora certa. Nem lembro direito do que conversamos, mas uma mensagem que ela mandou em seguida me deu uma estranha certeza, eram 08:38 da manhã: “Tenta relaxar e ouvir o que o corpo manda fazer. Observa se ele mandar empurrar, pode empurrar”. Acredito que eu estava com medo do incrível poder do meu corpo, do tsunami que estava por vir. Lembrei que li no livro do Deepak Chopra que “quando a mente serena, o corpo assume o comando”. Era o que faltava: me entregar às ondas gigantes e nadar, confiante, de braçadas.

Meu marido estava sentado na minha frente, me olhou firme e disse: "se é a hora, então vamos, me dá sua mão". E eu dei. Confiei naquele homem que havia me dito que seria a única pessoa que não iria me decepcionar. Sim, ele foi comigo rumo ao desconhecido. Ele manchou as mãos com o sangue do meu corpo e viveu comigo o evento mais feminino do universo. Ele foi meu esteio naquilo que sequer conhecia. Ele acreditou em mim, acreditou no invisível, acreditou no que estava completamente fora dele. É chegada a hora de cumprir o votos...

Fiquei de joelhos, exatamente onde visualizei o parto, dia após dias, durante meses. Abracei meu amor e lembro-me de, entre os puxos, dormir de lado, profundamente. Quando eles voltavam, o meu marido me aparava e nos abraçávamos novamente. Num instante ele sussurra no meu ouvido: “você está sentindo o bebê nascendo?”. E eu disse: “sim, põe sua mão, amor”. E ele sentiu o bebê coroando. Eu senti o círculo de fogo e apenas respirei completamente dominada pelas poderosíssimas forças ocultas da vida. Eu sabia, o Divino estava ali. Fechei os olhos e vi uma imagem que há dias atrás havia visto num site. Era gravura de uma mãe e seu filho, no momento da separação física, emocional e espiritual. Fiquei com esta imagem, me apeguei a ela.

Com um puxo a bolsa estourou e com mais uns três ele chegou! Tinha uma circular de cordão que meu marido tirou com a autoridade de quem faz isso a vida toda. Passou-me ele, com um olhar de orgulho que nunca vou esquecer. Eu limpei seu rostinho e imediatamente o colei no meu peito.

Não ouvimos gritos ou choros. Ele tossiu e fez um choramingo, só. Nos beijamos, beijamos o nosso filho e o sagrado nos selou. Sentimos a imortalidade, havíamos sentido, intensamente, toda a jornada da vida.

Não tive laceração, ele nasceu com 3.555 kg e 51 cm às 09:00 da manhã de um dia lindo! Meia hora depois do nascimento ligamos para uma GO que me acompanhava no pré-natal. Ela chegou, muito carinhosa acompanhou a dequitação da placenta (que agora está plantada no jardim). Meu marido acordou nossos outros filhos que acompanharam tudo, inclusive o corte do cordão umbilical. Não conseguimos filmar, não deu tempo ou não era para ser. Aquele chorinho mágico... aquela cena surreal... tudo ficará ressoando para sempre na nossa memória, só na nossa, como um pacto sagrado. Gravada, profundamente, nas nossas células. Sem replay.

O bebê, de olhos fechados e com aquele cheirinho de bala, respirando bem rapidinho era a própria visão do Eterno. Foi mudando de cor, lentamente, nos meus braços, enquanto o cordão umbilical ainda pulsava, preso a mim e à placenta. Aqui estava ele. Nascido na mesma aura de intimidade com que foi, um dia, atraído para esta família. Veio do amor e pelo amor, ancorar neste lar, mergulhado em uma paz profunda. A criança encantada. O bem nascido.

Fiz viagens físicas e viagens emocionais. Sorri e chorei. Construí e destruí diversos castelos. Travei batalhas internas para admitir que queria o que era certo. Hoje, sei que defendi, acirradamente, os interesses do meu filho. E que perambulei pelo mundo dual que estou inserida lutando para ter respeito e dignidade no momento mais importante da minha vida.

Eu não faço apologia ao parto desassistido. Nem nunca quis que isso se transforme em uma bandeira. Lutei para conseguir atendimento. De qualquer forma, a maneira como as coisas aconteceram foi perfeita para a minha estória. Continuarei lutando por assistência onde me sinto mais segura e para garantir isso às mulheres que sentem igual a mim. Não quero que chamem isso de coragem. Não, não se trata de coragem. Estamos falando de fé!

Ele nasceu em paz e eu e meu marido renascemos.

11 de outubro de 2011

Oração da pequenina vida


Por Cariny Cielo

Deus, que num dia feliz, eu seja concebido e germine aconchegado no ventre de uma mulher de sorte. Que a notícia chegue radiante e encha de amor toda a família. Que esta mulher saiba que o melhor para mim é sua imaginação e alimentação. Que durante o primeiro trimestre ela cuide muito de toda e qualquer energia que se aproxime dela pois serei apenas um embrião, uma poeirinha de luz a se formar. Que nos meses seguintes ela procure ver o que é bom, ouvir e apreciar coisas belas, pensar sempre o melhor, curtir cada mudança, amar a mim e a humanidade pela dádiva de a eternizar.

Que ela não entregue a ninguém a confiança e fé na vida. Que não fique procurando anomalias, defeitos, doenças, síndromes, nem deformidades pois eu seguirei confiante de que sou exatamente como devo ser. Que nenhum médico me examine, mês a mês, com aparelhos frios e que minha mãe nunca acredite que me vê melhor na tela de chuviscos das máquinas do que quando fecha os olhos e me inspira.

Que a cada visita de pré-natal, ela seja respeitada, encorajada e valorizada pela imensa dádiva de carregar a vida em movimento. Que se faça nela apenas o necessário para manutenção daquilo que a natureza já faz com perfeição. Que ela seja sempre ouvida em seu desejo de parir naturalmente e onde se sentir mais segura.

Que ela procure se informar sobre como me alimentar da melhor forma possível, assim que eu nascer, para me receber de braços e peito abertos. Que possa contar com o apoio de grandes amigas, grandes mulheres e de uma família que forme uma rede calorosa de apoio.

Que ela seja amada pelo meu pai, com toda plenitude. Que desfrute das novas formas de amar com as novas formas que o corpo irá tomar ao longo dos meses e que esse amor chegue sempre até mim através de uma forma mágica de encanto e certeza de que sou bem vindo.

Que, finalmente, no dia do trabalho de parto, que ninguém a perturbe, ela e eu sabemos muito bem o que fazer. Que se ela resolver ficar em casa, que seja respeitada sua escolha e que nós recebamos toda assistência que temos direito, sabendo-se que o melhor lugar do mundo para nascer é em meio aos lençóis do quarto.

Que se ela resolver ter-me no hospital, que ela seja encorajada a acreditar em mim e si mesma. Que a recebam com respeito, deixe-a vestida como quiser; comer e beber o que quiser; que não maculem seu corpo com raspagens nem soro na veia, afinal, não estamos doentes.

Que ela possa adotar a posição e os movimentos que entender mais confortáveis pois assim poderei caminhar melhor pelos estreitos mágicos de seu corpo e seguir confiante. Que ajudem-na, se for preciso, a lidar com a dor dilacerante que vem da sensação de partir-se para que ela não precise de anestesia e eu possa continuar meu percurso com vigor e saúde.

Que não nos deixem a sós, com estranhos, mas na companhia de quem minha mãe confia e segurando a mão do meu pai. Que não apressem minha chegada. Eu sei, exatamente, a hora certa de chegar. Nada de episiotomia, nem manobras violentas, isto a fará achar que nossos corpos não funcionam bem. Que desliguem as luzes fortes e o ar-condicionado, pois quero sentir a suavidade de chegar e conhecer o mundo.

E, assim que eu chegar, deixem-me imediatamente na colo da minha mãe para que eu ouça o coração que me embalou eternamente. Que não me privem do sagrado sangue que me pertence e que ainda vem da placenta, deixando meu cordão umbilical pulsar até cessar naturalmente.

Que não façam exames e verificações invasivas, apenas me observem. Mais importante do que qualquer procedimento será eu conhecer e abraçar minha mãe. Deixe para me avaliar apenas me observando, na maioria das vezes apenas isto é o necessário.

Que se minha mãe precisar de uma cirurgia, que indicação médica seja verdadeira e muito bem explicada para ela e meu pai. Que tudo seja da mesma maneira respeitosa e digna que seria nascer naturalmente.

Que minha mãe possa me oferecer o seio ainda suada da emoção de me trazer e que eu possa mamar o tempo que quiser, da maneira que quiser. É meu sagrado alimento.

Que eu possa vir assim ao mundo, Pai, na exata medida que tu desenhastes para mim. Amém.

1 de outubro de 2011

Reflexões: Sobre partos e sobre riscos...


por Cariny Cielo

"Ah, você não tem ideia dos riscos que se corre tendo um bebê em casa". É o que se ouve por aí...

A institucionalização da cultura do 'hospital risco-zero' é tão grande que perdeu-se completamente a lógica nas análise. Quantas mulheres ouvem dos médicos, da família, da comunidade que ao se submeter a uma cesárea eletiva ela está assumindo um índice de riscos maior do que ter um parto natural em casa? Nenhuma! Ela caminha orgulhosa, certa de estar fazendo o melhor para si e para seu bebê. Não está!

Estatisticamente, os riscos de uma cesárea eletiva são cinco vezes maiores que o de ter um parto natural em casa. Interessante, não? Todos comentam horrorizados sobre a coragem de se ter um filho em casa! Mas, não se trata de coragem, se trata de bom senso. O parto resultante de uma gravidez de baixo risco será muito mais seguro em casa do que em um ambiente hospitalar.

É preciso coragem, sim, para se submeter a uma cirurgia de alta complexidade por pura comodidade, conveniência... É curioso observar que em todos os outros aspectos do tratamento humano, a opção pela via cirúrgica é sempre em último caso, depois de se tentar todas as outras formas de atuação, ao passo que, para nascer (um evento puramente fisiológico), escolhe-se logo: cirurgia!

Se as mulheres tivessem real conhecimento dos ricos, a cirurgia voltaria a ser ministrada nos índices sugeridos pela Organização Mundial de Saúde, por volta de 10-15%, e não nos assombrosos 67% que tivemos em Rondônia, por exemplo.

A distorção está em acreditar que a cirurgia é o caminho mais seguro! Não é. Talvez seja o mais cômodo para os obstetras que deixaram de ser parteiros para serem cirurgiões. Mas duvido que algum tenha coragem dizer que a cirurgia é o melhor caminho para a mãe e o bebê: se disser, está sendo, no mínimo, anti-ético.
Curioso observar que os riscos de ter bebê em casa são infinitamente menores do que sofrer um acidente de carro, mas, mesmo assim, todo mundo continua viajando e ninguém faz um testamento a cada vez que enfrenta uma rodovia para viajar. Que distorção é esta? Corre-se riscos em tudo, não existe 'risco-zero', como querem fazer crer muitos médicos. A única diferença é que, no hospital, eles estão protegidos pelo espectro: qualquer morte no hospital é fatalidade, 'tinha que ser'; ao passo que qualquer morte em um parto domiciliar será sempre negligência! Uma completa distorção de valores e de análise de riscos.
O hospital como o vemos hoje, acreditem, não é o local mais seguro para uma gestante de baixo risco ter seu bebê. É o local mais seguro para tratar do que fugir do fisiológico, mas o menos adequado para garantir a fluidez do parto. Talvez com o tempo e a melhoria da qualidade no atendimento obstétrico, o hospital passe a ser um local apto a dar assistência ao parto natural e com a garantia de atendimento médico, se necessário.

O que vem destruindo o nascimento nos hospitais é a 'manipulação' que se faz deste. É o atendimento rotineiro, é transformar a exceção em regra.
Mesmo com todas as recomendações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde e com as evidências científicas, ainda se faz episiotomia de rotina, corte abrupto do cordão umbilical, separação da mãe e bebê após o nascimento, posição deitada para o momento expulsivo do parto, analgesia, isolamento da mãe, enema, tricotomia, jejum, limitação de movimentos, acesso venoso, roupinha de doente, violência verbal, descaso e desamparo da gestante. E, se depois de todo esse 'kit anti-fisiológico', a mulher não conseguir parir (o que acontece na maioria dos casos) dão-lhe a cirurgia como opção salvadora! Foi assim que o Brasil conseguiu se transformar em um fabuloso 'fazedor de cesarianas"...

Em muitos lugares do mundo as mães são assistidas em casa, onde se sentem mais seguras. A propóstio, a Organização Mundial de Saúde recomenda que a gestante seja atendida onde se sente melhor. Pode ser em casa, pode ser em um hospital, pode ser em casas de parto...
Com o devido apoio e respeito a grande maioria das mulheres preferiria parir, a serem operadas. No meu caso. Eu sabia exatamente onde eu estava. Conhecia as hipóteses, as alternativas... estava em terreno seguro.

Se eu corri riscos? Sim, corri riscos.

- Muito menores do que se tivesse escolhido fazer uma cirurgia; e 
- Menores do que sofrer um acidente automobilístico

Então, eu vou continuar buscando atendimento obstétrico para meu parto no local onde me sinto mais segura, particularmente, em minha casa.

Ah, e vou continuar tendo coragem de viajar de carro pelo Brasil afora, a despeito dos terríveis números anuais de mortes e acidentes!

Não, não se trata de coragem...  Estamos falando de fé!

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