25 de junho de 2014

Gestante, o parto está nos seus planos?

Texto escrito por Cariny Cielo, a convite, e 


Ricardo Jones, conceituado obstetra e escritor gaúcho, resume em seu livro Memórias do Homem de Vidro que ‘só existe humanização do nascimento através do retorno do protagonismo do parto à mulher’. Ela é a dona do parto e a ela cabe a decisão responsável sobre as condutas a serem adotadas ou não. Essa é a visão mais moderna.

No entanto, a obstetrícia tradicional pensa exatamente o contrário, enxergando o obstetra como a figura central e o parto como um evento médico que precisa ser ‘conduzido’ com o máximo de tecnologia. É exatamente neste ponto que reside um vácuo gigantesco entre o ideal e o real. Este choque de paradigmas só tem trazido conseqüências negativas à vivência de parto das mulheres e contribui para colocar o Brasil como campeão mundial de nascimentos por cirurgia e Rondônia como campeão nacional por quatro anos consecutivos (Fonte: DATASUS).

É comprovado cientificamente – não se tratando, portanto de uma opinião – que, quanto mais intervenções de rotina no parto, piores são os resultados materno-fetais e que a banalização da cesariana (antes salvadora de vidas, hoje feita por conveniência) é um importante problema de saúde pública.

Certo, já sabemos que, pelos mais modernos entendimentos, deve-se enxergar o parto como um processo fisiológico, pertencente à mulher e que muitas práticas feitas de rotina são reconhecidamente prejudiciais à dinâmica do trabalho de parto, devendo ser ou extintas ou realizadas de forma diversa. Então, qual seria o mecanismo para, oficialmente, tornar concreta a proteção a estes princípios e que garanta a autonomia da mulher? O Plano de Parto!

Recomendado desde 1996 pela Organização Mundial de Saúde em seu “Care in Normal Birth: a practical guide” (Atenção no parto: um guia prático), o plano de parto é o documento em que a mulher declara as suas preferências em relação ao parto e cuidados com o recém-nascido. É pouco falado e pouco utilizado. No entanto, trata-se de um direito da mulher e é uma excelente ferramenta para garantia de um parto e nascimento livre de intervenções sem respaldo científico, além de ser uma segurança ao profissional, pois estabelece claramente tudo que norteará o atendimento àquela paciente.

É nele que a gestante estabelece preferências e discute com seu médico questões como: presença de acompanhante e doula, liberdade para fotografar e/ou filmar, liberdade para se movimentar e ingerir líquidos e alimentos, o uso de ocitocina e acesso venoso, possibilidade de usar bola suíça e/ou banqueta de parto. Pode, inclusive, deixar expresso que não deseja episiotomia e que quer que o cordão umbilical só seja cortado após parar de pulsar, em respeito aos protocolos de atendimento ao neonato da Sociedade Brasileira de Pediatria, por exemplo. É possível definir, inclusive, como será a conduta da equipe caso o desfecho do nascimento seja por cirurgia, onde poderá estabelecer diversas preferências, entre elas, a amamentação na primeira hora, o rebaixamento dos panos na hora do nascimento para visualizar a chegada do bebê, o não uso de sedativos pré-operatórios etc.

Por falta de conhecimento aprofundado e receio de sofrer ações judiciais (muito comuns na área médica), os profissionais e hospitais costumam ser resistentes em receber o Plano de Parto. Muitos não assinam, muitos dizem que não existe necessidade e há ainda um fator emocional relacionado ao vínculo médico-paciente que prejudica o implemento da cultura do Plano de Parto: ele soa, muitas vezes, como ‘alguém me dizendo o que fazer’, o que se choca com a formação médica mais tradicional, ainda focada no médico como protagonista da relação.

No entanto, não há razão para temor. Em verdade, o Plano de Parto é um documento de segurança também da equipe médica, pois nele consta o consentimento expresso e responsável da gestante para cada conduta, o que pode ser considerado um relevante respaldo jurídico. Além disso, permite que a relação médico-paciente seja clara e verdadeira, uma vez que o profissional poderá dizer à gestante: “este tipo de parto eu não atendo” e isto poderá motivar a mulher a rever os itens de seu plano ou, ainda, buscar outro profissional, por exemplo. Saber claramente o que se espera do médico e o que a mulher espera do parto nada mais é do que respeito e profissionalismo.

Na internet é possível encontrar vários modelos de Planos de Parto e temos um aqui no blog. É muito importante discutir ponto a ponto com seu médico. O próximo passo é protocolar no hospital! A Gabi Sallit traz orientações sobre como estabelecer um diálogo com o hospital que vai te atender e vai além, preparou um modelo de notificação extrajudicial de plano de parto para o caso de a instituição negar-se a receber seu documento. A Helena (relato aqui) é, provavelmente, a primeira parturiente que fez uso do Plano de Parto em Rondônia... ninguém sabia o que era aquilo quando ela mostrou na maternidade. As melhorias nas condições de atendimento às gestantes estão vindo assim mesmo, com mulheres corajosas... um dia, o Plano de Parto virará regra e será item de enxoval!

E vale a reflexão: nós costumamos planejar tanta coisa em nossas vidas: um casamento, a festa de formatura, uma viagem especial.... Porque não planejar o dia único e especial em nos tornaremos mães, o dia da chegada do nosso filho?




Modelo de Plano de Parto

Gestante: ...............

Abaixo listamos nossas preferências em relação ao parto e nascimento do nosso filho. Todas baseadas nas mais recentes evidências científicas aplicadas à obstetrícia e em consonância com recomendações da Organização Mundial de Saúde e Ministério da Saúde.

Estamos cientes de que o parto pode tomar diferentes rumos. Sempre que desejado não puder ser seguido, gostaríamos de ser previamente avisados e consultados a respeito das alternativas.

Trabalho de parto:
- presença de um acompanhante ou não
- presença de Doula
- poder fotografar ou filmar
- sem tricotomia (raspagem dos pelos pubianos) e enema (lavagem intestinal)
- evitar perfusão contínua de soro e/ou ocitocina
- liberdade para ingerir líquidos, frutas e lanches leves
- liberdade para caminhar e escolher a posição que quero ficar
- liberdade para o uso do chuveiro
- avaliação dos batimentos cardíacos fetais com dopler ou estetoscópio. Sem monitoramento contínuo.
- toque: restringir ao máximo a quantidade de vezes e de preferência que seja feito por um profissional do sexo feminino.
- anestésicos ou analgésicos somente a pedido.
- liberdade para tentar outras formas de aliviar dor como massagens, banho, uso da bola, banheira etc
- sem rompimento artificial de bolsa

Parto:
- quero ter liberdade para ficar na posição que me sentir mais a vontade (posições verticais ou de quatro, semi-sentada, de costas, apoiadas ou de lado)
- sem fórceps, vácuo extrator ou esforço de puxo prolongado e dirigido. Adoção de posições o máximo verticalizadas para favorecer o período expulsivo e minimizar a necessidade de uso destes procedimentos.
- não quero que empurrem a barriga (Kristeller), manobra já universalmente contra-indicada.
- quero usar a cadeira de parto (se houver disponível) ou banqueta de parto.
- não quero mesa ginecológica e nem pernas amarradas.
- episiotomia: não desejo, prefiro laceração
- não quero que puxem meu filho após coroar, mesmo que seja com as mãos, ele deve ser apenas “aparado”
- quero que meu bebê nasça em ambiente calmo, silencioso e com luz natural
- peço que o cordão umbilical só seja cortado após ter parado de pulsar, em respeito aos protocolos de atendimento ao neonato da Sociedade Brasileira de Pediatria
- sem aspiração de vias aéreas, sem esfregar, sacudir ou manipular o recém nascido. Quero que o bebê seja observado em meu colo e conforme o protocolo de atendimento ao neonato da Soc. Brasileira de Pediatria de março de 2011.
- o bebe deve ser colocado imediatamente no meu colo após o parto com liberdade para amamentar na primeira hora, conforme recomenda o Ministério da Saúde.

Após o parto:
- aguardar a expulsão espontânea da placenta, sem manobras, tração ou massagens apenas com o auxílio da amamentação.
- ter o bebê comigo o tempo todo enquanto eu estiver na sala de parto, mesmo para exames e avaliação. Quero estar ao lado do bebe nas primeiras horas de vida, conforme recomendação do Ministério da Saúde.
- alta hospitalar o quanto antes.

Cuidados com o bebê:
- Assumo a responsabilidade de não autorizar a aplicação de colírio de nitrato de prata no recém nascido, caso minha cultura vaginal seja negativa para pesquisa de gonococo.
- sem vacinas.
- administração de vitamina K depois da primeira hora.
- quero fazer a amamentação sob livre demanda.
- em hipótese alguma, oferecer água glicosada, bicos ou qualquer outra coisa ao bebê, conforme recomendação do Ministério da Saúde e OMS.
- alojamento conjunto o tempo todo.
- gostaria de dar o banho no meu bebê (não desejo banho nas primeiras horas) e fazer as trocas.

Caso a cesárea seja necessária:
- exijo o início do trabalho de parto antes de se resolver pela cesárea
- quero a presença da acompanhante
- só aceitarei uma cirurgia cesariana em caso de indicação REAL (sob risco de vida para mim ou para meu bebê).
- não desejo uma cesariana por parada de progressão, neste caso aceito uma condução com hormônios sintéticos
- anestesia: peridural, sem sedação em momento algum
- após o nascimento, gostaria que colocassem o bebê sobre meu peito e que minhas mãos estejam livres para segurá-lo.
- gostaria de permanecer com o bebe no contato pele a pele enquanto estiver na sala de cirurgia sendo suturada
- também gostaria de amamentar o bebê e ter alojamento conjunto o quanto antes.

Agradeço muito a equipe envolvida e a ajuda para tornar esse momento especial e tão importante para nós em um momento também feliz e tranquilo, como deve ser.

Gratos,


Local, data.


Assinatura da gestante (e do marido, caso queriam)
Assinatura do médico obstetra
Assinatura do pediatra
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...