12 de junho de 2011

Respeitem o claustro materno: ultrassonografias de rotina não!


Este texto me foi passado pela PHD Eleanor Luzes. A conheci em 2010, em Brasília, num curso de Ciência do Início da Vida. Eu achei interessantíssimo e, com autorização dela, replico aqui!



ULTRASSOM: HISTÓRICO e ANTROPOLOGIA
 
O ultra-som foi desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial para detectar os inimigos, tendo mais tarde outros usos na indústria do aço. Em 1955, em Glasgow, o cirurgião Ian Donald adaptou o ultra-som para perceber densidades de tumores abdominais, pois cada tecido tem uma densidade própria e produz um “eco”. (WAGNER, 1999).

Em 1957, usou pela primeira vez para diagnosticar desordens fetais , depois detectar a gravidez em si. O ultra-som foi recebido com suspeita, em especial em relação ao seu uso em gestantes. (PORTER, 1997). Até 1963 esta tecnologia havia sido comercializada e, até meados da década de 70, havia se expandido, começando a ser destinada ao uso obstétrico. Nos EUA, devido aos seguros de saúde 70% das grávidas passam pelo ultra-som; na Europa 98% (pelo menos um por trimestre) (LEVI, 1998). Na Austrália, 99%.

No Reino Unido, Baverley Beech, um ativista dos direitos do consumidor, chamou o ultra-som de “o maior experimento sem controle da História” e a Cochrane Collaboration, maior autoridade em Medicina Baseada em Evidências, diz que é possível que o ultra-som seja prejudicial durante a gravidez. (WAGNER, 1999).
Em 1984 nos EUA, a conferência de consenso do National Institute of Health advertiam que os dados disponíveis sobre a eficiência e a segurança do ultra-som, não permitiam a sua recomendação como técnica de rotina. (CHAZAN, 2007).
Na Inglaterra no mesmo ano o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists, ainda que reconhecesse a necessidade de mais pesquisas afirmou que haviam “razões convincentes para supor benefícios a todas as mães e bebês advindos de um escanemento bem feito entre 16-18 semanas de gravidez”. (CHAZAN, 2007).
A teoria do Bonding de Marshall Klaus, John H. Kennel e Phyllis Klaus sobre a ligação mãe e recém-nascido, passou a ser vista como mãe-feto, desde 1970, com bases marcadamente biologizantes (ARNEY, 1982).
A aliança entre medicina e a lei em alguns casos inverteu a hierarqueia mãe-feto, atribuindo autonomia de tal ordem que o feto passou a ter hieraquicamente mais diretos civis que as mães, como é o caso em vários estados dos EUA.
Michèle Fellous em estudo na França nos anos 90, constatou que o interesse sobre os batimentos fetais era mais importante que imagens e o interesse pelo ultra-som caia quando as grávidas começavam a sentir os primeiros movimentos fetais.
Segundo o radiologista HD Meire, que trabalha com isto há 20 anos, o fato de se usar uma máquina poderosa de investigação não quer dizer que sejam também poderosas as informações advindas dali. O ultra-som expõe ao aumento da temperatura intracraniana. (BARNETT, 2001).
Em um estudo, o espectro do pulso do ultra-som Doppler produziu significativo aumento da temperatura do cérebro fetal. Esta temperatura máxima acontece em 30 segundos, caso a temperatura aumente quatro graus Celsius é o suficiente para ocorrer lesão. Mas o fato é que o ultra-som expõe ao aumento da temperatura intracraniana. (BARNETT, 2001)

Os mamíferos possuem, em seus tecidos, pequenas bolsas de gás que com aquecimento podem colapsar os tecidos. Estudos de laboratórios vêm mostrando que células em crescimento expostas ao ultra-som podem causar anomalias que perduram por gerações. (LIEBESKIND et al, 1979)
In vitro, ocorrem alterações somáticas e teratogênicas. (HEDRICK e HYKES, 1991)
Em ratos, afeta a membrana de mielina que recobre o nervo, que é semelhante à humana. (Ellisman e colaboradores, em 1987).
Em outro estudo, camundongos foram expostos a dosagens típicas usadas em obstetrícia e viu-se que o ultra-som causou 22% de redução da divisão celular e dobrou a apoptose (suicídio celular) das células intestinais das cobaias. Houve redução em 22% dos índices de mitoses, após quatro a cinco horas depois da exposição. A apoptose no corpo aumentou de 153% na primeira hora para 160% entre a quarta e a quinta horas. (STANTON et al, 2001)
Newnham e colaboradores, mostraram, em 1993, em estudo experimental randomizado e controlado na Austrália, que mulheres que fizeram cinco vezes ultra-som deram à luz bebês de mais baixo peso do que aquelas que fizeram somente um exame. Em geral, o baixo peso está associado a um não desenvolvimento pleno do cérebro. (CHAMBERLAIN, 1995)

Clínicos defendem o ultra-som de rotina durante a gravidez para descobrir anomalias congênitas, gravidezes de múltipla-gestação, crescimento fetal desordenado, anormalidades de placenta e erros na estimativa de idade gestacional.

Foi realizada uma tentativa randomizada, que envolveu 15.151 mulheres grávidas de baixo risco para problemas perinatais, a fim de pesquisar se o ultra-som diminuiria a freqüência de resultados de perinatais adversos. Definiu-se como resultado perinatal adverso morte fetal, morte neonatal, ou morbidez neonatal, como hemorragia intraventricular. As mulheres, nomeadas fortuitamente ao grupo de ultra-som-blindagem, sofreram um exame ultrasonográfico, entre 15 e 22 semanas de gestação, e outro entre 31 e 35 semanas. As mulheres do grupo controle somente sofreram ultrasonografia por indicações médicas, conforme identificado por seus médicos. Os índices de pretermo e a distribuição de pesos de nascimento eram quase idênticas nos dois grupos. A descoberta ultrasonográfica de anomalias congênitas não teve nenhum efeito no resultado perinatal. Não havia nenhuma diferença significativa, entre os grupos, sobre gravidezes de pós-data, gravidezes de múltipla-gestação ou crianças que eram pequenas para a idade gestacional. Conclui-se que o ultra-som somente se justifica quando a indicação se faz necessária e não se observou vantagem em seu uso de rotina. (EWIGMAN et al, 1993).

Outro estudo mostrou que 10 minutos de exposição ao ultra-som em ratas grávidas afetam o aprendizado de habilidades locomotoras nos ratos adultos, como observou Suresh e colaboradores, em 2002. (BUCKLEY, 2005)
Camundongos albinos, expostos a diagnóstico de ultra-som, havia alterações significantes de comportamento em todos os três grupos expostos, como revelado pela diminuição das atividades locomotora e exploratória e pelo aumento do número de tentativas necessárias para aprendizado. Isto indica que o ultra-som, durante a vida fetal, pode alterar o desenvolvimento cerebral do camundongo na vida adulta.
(DEVI et al, 1995).

De 1.628 mulheres grávidas da população geral, 825 mulheres foram alocadas em exame de ultra-som entre a 18a e a 32ª semanas de gestação, além de cuidado pré-natal de rotina. 803 mulheres receberam uma única exposição ultrasonográfica e somente poderiam realizar outra caso houvesse precisa indicação clínica. A incidência de gravidezes pós-termo era aproximadamente de 70%, no grupo de exposição a ultra-som. Fica claro que, nas mulheres não submetidas ao ultra-som, com freqüência não há indução de trabalho de parto por avaliação de pós-termo. (EIK-NES et al, 2000)

Os estudos epidemiológicos sobre exposição humana de ultra-som na gravidez foram revisados. Eles concentraram possíveis associações de ultra-som in utero com câncer na infância, alterações do desenvolvimento neurológico, dislexia, tendência a uso da mão esquerda, atraso na fala e nascimento de baixo peso, quando houve muita freqüência de exposição de ultra-som Doppler. (SALVENSEN e EIK-NES, 1995)


James Greenleaf, Paul Ogburn e Mostafa Fatemi, da Fundação Mayo Rochester, investigaram a possibilidade de o ultra-som ser ouvido pelo feto, devido às vibrações secundárias no útero. As máquinas geram pulsos que partem em décimos de segundo e isto acontecendo de modo contínuo pode ser ouvido no tecido examinado. Colocaram um hidrofone no útero durante o exame e o som ouvido era similar às notas altas do piano. (SAMUEL, 2001)

Em pesquisa no Reino Unido também se verificou que o ultra-som de pulso Doppler tem som relativamente alto. (HENDERSON et al, 1995)
MOLE indica, em artigo de 1986, que a exposição ao ultra-som causa morte celular em animais e que, esta exposição no período entre a 16ª e a 18ª semanas, pode gerar alterações funcionais de neurônios nos hemisférios dos indivíduos. (BUCKLEY, 2005)

Estudos em humanos têm mostrado efeitos adversos do ultra-som; como ovulação prematura, vista por Testar e colaboradores, em 1982; aborto e trabalho de parto prematuro, vistos por Saari-Kemppaine e colaboradores, em 1990, e Lorenz e colaboradores, também em 1990; morte perinatal, vista por Davies e colaboradores, em 1992. (BUCKLEY, 2005)
Na Noruega, 2.161 crianças, (89%) dos escolhidos de 2.428 nascidos de gravidez não gemelar. Percebeu-se que há indicação de que a exposição ultra-sonográfica tenha relação com lateralização diferente da média. (SALVENSEN et al, 1993).

Em estudo na Suécia, entre 1973 e 1978, através da observação da população masculina quando do alistamento militar, viu-se que a incidência de canhotos era maior naqueles que tinham sido mais expostos a ultra-som, durante o pré-natal. (KIELER et al., 2001, KIELER et al., 2002) Ainda na Noruega, em uma amostra maior de 4.714 crianças, o mesmo fato foi observado. (SALVENSEN et al, 1999) Outro estudo na Universidade de Upsala, na Suécia, que comparou os nascidos entre 1985 e 1987, notou que a propensão à condição sinistra era maior entre meninos. (KIELER et al, 1998) Na Irlanda, dados similares foram achados sobre fetos que, expostos a ultra-som, apresentavam mais tendência a serem canhotos.(HEPPER et al, 1991)
Na Austrália, de 2.834 gestantes de gravidez do grupo exposto, as crianças nasceram de mais baixo peso. (NEWNHAM et al, 1993)

Numa amostra, 603 das 2.428 crianças expostas a ultra-som apresentavam dislexia. (SALVENSEN et al, 1992). A
dislexia também foi pesquisada por Stark e colaboradores, em 1984. (BUCKLEY, 2005)
Campbell estudou 72 crianças com atraso de fala, entre as idades de 24 e 100 meses. Todas elas tinham tido alto nível de exposição ao ultra-som, durante a vida fetal. (CAMPBELL, 1993)
Dois estudos randomizados, de longa duração, controlados na Suécia e na Noruega, compararam exposição, menor exposição ou nenhuma exposição ao ultra-som e o que se observou foi o efeito negativo sobre: desenvolvimento das crianças até oito e nove anos, medindo os efeitos no crescimento e alteração no desenvolvimento da audição, como demonstrado por Salvesen e colaboradores, em 1992; outros artigos, nos anos de 1992, 1993, 1994; e Kieler, em 1997. (BUCKLEY, 2005; KIELER et al, 1998).

Ultrasom de rotina é uma prática que não se provou resultar eficiente, mas, ao contrário, o uso caótico de tal rotina leva à repetição excessiva de exames, com o agravante de criar a visão, que se converte em uma tendência, de que a descoberta muito precoce de defeitos fetais e anomalias cromossomiais pode se dar através deste procedimento o qual, por seu turno, leva à maior argumentação para blindagem de rotina. O que deveria haver, na verdade, era um melhor preparo de quem maneja o aparelho para poder avaliar a realidade de existência de anomalias congênitas. (LEVI, 1998)


Ultrassom rotineiro está definido como um procedimento de blindagem, normalmente executado na população obstétrica total, entre 18 e 20 semanas de gestação. Tais procedimentos podem conduzir à ansiedade desnecessária, se há um resultado falso-positivo, ou para um falso-senso de segurança, se há um resultado falso-negativo. Literatura extensa não fornece nenhum suporte sobre a melhoria na mortalidade ou morbidade perinatal, nem sobre uma redução global em intervenção desnecessária com ultra-som rotineiro. O papel da ultrasonografia de rotina, e sua validade como um teste de blindagem para malformação fetal em uma população de pouco risco, ainda é o objeto de debate. (ANTSAKLIS, 1998)

O ultra-som expõe ao aumento da temperatura intracraniana. Tem som alto. Alterações do desenvolvimento neurológico, dislexia, tendência a uso da mão esquerda, atraso na fala e nascimento de baixo peso. Quando houve muita freqüência de exposição de ultra-som Doppler.
O ultra-som provoca três efeitos: o térmico, o de cavitação e a radiação, Atinge o gás nas células e causa explosão – especialmente em neurônios. O ultra-som somente se justifica quando a indicação se faz necessária e não se observou vantagem em seu uso de rotina.

Ao longo da observação de 9 meses em 3 clinicas do Rio de Janeiro, antropóloga concluiu: “tornou-se claro que naquele universo, no que dizia respeito à produção de verdades, o eixo subjetividade/objetividade se fazia presente de modo cotidiano e dinâmico na prática dos atores”. No tocante às “verdades médicas”, pode-se considerar que haveria um predomínio do aspecto ‘objetivo’, pois com freqüência elas eram apresentadas como dados matemáticos, quantificáveis, traduzidos em números, tais como idade fetal, peso, tamanho, fluxos sangüíneos etc. (mesmo que, a rigor, essas informações fossem apenas estimativas produzidas pelos aparelhos, os atores lidavam com elas como se fossem dados concretos)” (CHAZAN, 2007, p. 117)

“O prazer de olhar e seu correspondente – o de ser visto – são constantemente alimentados por novas tecnologias visuais.” – (CHAZAN, 2007, Exercendo o biopoder para gerenciar a vida).
A atividade fetal observada por meio de imagens é resignificada pela subjetividade dos atores presentes – médicos, gestantes e acompanhantes – que criam interpretações as mais diversificadas e imaginosas. (CHAZAN, 2007, BERGERET, SOULÉ, GOLSE, 2006). Todos os médicos no universo etnográfico da pesquisa de Chazan em 3 clínicas, por 9 meses, tinham a consciência de que havia uma dose de subjetividade na decodificação das imagens, e se ressentiam da atribuição da objetividade seja pelos seus colegas, seja por seus pacientes. (CHAZAN, 2007)


O “prazer de ver” as imagens fetais, e isto implica em filmes, sessões de filmes em casa com famílias e amigos leva a uma demanda que retroalimenta a demanda das gestantes por este tipo de exame. (KEMP, 2005).
É digno de nota a marcação do exame com finalidade única de ver o sexo do feto, e este comportamento não é verificado em outros países. (CHAZAN, 2007). O exame acaba por ter uma faceta médica e outra de entretenimento, com platéia variável. (CHAZAN, 2007).


A imagem, o consumo, correm juntas. Marketing é imagem, e a gestante, por exemplo, ao saber do sexo do bebê, dispara as compras “devidas”. É como se neste ato de consumo já começassem a cuidar de seus filhos – obedecendo a uma conexão “consumo-amor (MILLER, 2002)


A ênfase na visão do interior do corpo grávido e na busca por essas imagens coaduna-se, por seu turno, com a voga biologizante, fisicalista, de culto ao corpo, moeda corrente no universo observado por Chazan.


A conseqüência do ultra-som fetal é a antecipação da existência social do feto, através da tecnologia, modelando as culturas: visual, do corpo, de consumo e de monitoramento. (DUMIT & DAVIS-FLOYD, 1998, DOWNEY & DUMIT 1997, HARAWAY, 1991, e muitos outros)

(Fonte: Eleanor Luzes, PHD Ciência do Início da Vida)

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