9 de setembro de 2021

Ressignificando perdas



Porto Velho, Rondônia. Dezessete de agosto de dois mil e seis.

Eu me descobri grávida! Não que eu não tenha antes recebido um sinal de que meu filho estava a caminho. Lembro-me perfeitamente de vê-lo em sonho... ou seria em telepatia? Lembro do susto do resultado, de sentir o peso da palavra ‘mãe’ e de me sentir esquisita, como se tivesse aberto um vácuo no espaço-tempo da minha vida.
Naquela tarde, tive o exame de sangue – POSITIVO – e, no mesmo dia, fiz um exame de ultrassom... e aí começou uma história ainda não registrada.
No exame, a médica observou duas formas anecoidais e, talvez num rompante ignorante (que não importa mais julgamento), disse-me que poderiam ser gêmeos! Então, eu não estava somente grávida, mas estava grávida de gêmeos. Minha tia, que me acompanhou no exame, ligou para meu marido e contou a dupla novidade. Eu sorri, me senti especial, embora ainda estava atônita e com o ar suspenso no peito.
Dormi (?) com aquela festa de emoções... Conta para a família toda, respira a nova ideia e comemora. Cheguei a ganhar de presente um porta retrato com dois espaços para as fotos dos bebês.
Nove dias depois, outro exame de ultrassom... e, desta vez, só um saco gestacional. Silêncio.
Eu estava só neste dia. Eu e o médico que não me deixou reclamar da perda; logo tranquilizou-me dizendo que estava tudo em ordem e me deu os parabéns.
Voltei para a casa me sentindo confusa e indigna de lamento.
Chorei.
A tristeza durou pouco, é verdade. Pouco demais, vejo hoje. Não verbalizei a dor, não dei força para que ela ganhasse corpo e, enfim, saísse rumo ao canal milagroso onde são tratadas todas as dores que afloram à consciência.
Aqueles nove dias em que carreguei no ventre e na alma a imagem de que era uma recém mãe de dois filhos ficaram mascarados diante da chuva de novidades e alegrias vindas da espera do filho que ficou. O assunto foi perdendo corpo, foi ficando nebuloso, confuso mesmo, difícil de definir, de distinguir e, de acreditar. Restou-me a descrença. “Talvez nem eram dois” eu pensava, dando com os ombros. E, com esta frase, eu toquei quatorze anos de maternagem... veio mais um filho e mais outro e vieram muitas e muitas versões de mim.
Até que essa história começou a reclamar um lugar! Veio pedir guarida. Cobrar âncora.
Veio pedir espaço pois sabe que nada vivifica se ficar escondido e esquecido, sem a devida pomba, sem o destaque merecido. Nenhuma dor vai embora sem ser chorada. Nenhuma ferida cicatriza sem que olhemos para ela para ver o que precisa ser feito.
E o que precisava ser feito era o que mais me deixava longe de conseguir trazer à tona esse fato: sou mãe de 4 filhos.
Presa na minha prepotência, sempre foi mais fácil navegar pela razão e supor que não eram dois bebês não e que não perdi um filho, do que me colocar frágil diante da vida e chorar a partida.
Fui em busca dos mergulhos necessários. Mergulho em meu inconsciente. Pedi para sonhar... e veio o sonho! Nele a moça dizia que havia perdido um bebê há muito tempo atrás, que havia esse luto na vida dela, mas que tudo já estava bem. Suspiro...
Foi com uma mandala que eu soube deste sonho. Sim, aquelas formas geométricas concêntricas e que significam ‘círculo’, em sânscrito. Interessante que para a terapia junguiana, mandala é o círculo mágico que representa simbolicamente a luta pela unidade total do eu.
E eu me vi em luta mesmo a partir disto tudo. Fui rever os laudos – tenho todos – lia e relia, buscando freneticamente pela razão, o que só vemos pela emoção. Que tola! Veio então a lucidez... e lembrei que “só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”. Logo eu, que provei tão bem da fé no invisível... esse espaço-tempo mágico que conheço bem e que precisava alcançar novamente.
Era chegada a hora de eu vencer a luta, abandonar esta roupa que não me cabia mais de vergonha e indiferença e então acolher meu bebê. Não havia mais lugar para dúvidas e tira-provas.... ficou tudo irrelevante já que é certo que a coincidência é, na verdade, a flecha implacável da vida sabendo o que faz.
E foi assim.



Filho, bem vindo! Eu te saúdo!
Que bom que você nos escolheu. Que bom que compartilhou do meu ventre com seu irmão por dias tão gloriosos. Eu te reverencio e te dou um lugar. Aquele dia de despedida não chorada agora ganha contornos de gratidão e fé na Vida infinita de Deus e, em nome Dele, serás lembrado sempre com alegria e harmonia como prova do amor de nossa família.
Toda paz.

Cariny

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