14 de março de 2012

Reflexões: A invisível burca... e o dia internacional da mulher


por Cariny Cielo

Dia internacional da Mulher!!! Comemoramos grandes avanços na redução da violência e na conquista da liberdade deste gênero que, há séculos, foi oprimido pelo crescimento de uma cultura patriarcal.

Comemoramos o poder do voto, a participação política, a inserção no mercado de trabalho, a chefia das famílias, ao passo que, num momento único, talvez mais importante, de nossas vidas – a gestação e parto – abrimos mão, deliberadamente, da liberdade individual tão acirradamente defendida e seguimos, qual boiada pro abate, fazendo o que dizem ser melhor para nós.

Sim! Votamos e somos votadas. Podemos ser chefes de Estado, concorrer à Presidência do País. Estamos no Congresso Nacional, nas assembléias e câmara de vereadores do Brasil afora. Chefiamos famílias. Somos, muitas vezes, as únicas a trazer renda em casa. Entramos em todas as profissões, mesmo a eminentemente tidas como masculinas. Somos poderosas, mas, a partir do momento que ficamos grávidas e vamos parir, perdemos todos os nossos poderes, auto-estima e deixamos que tutelem nosso corpo, ferindo de morte nosso feminino.

É! Nós deixamos que nos digam como viver nossa sexualidade, como gestar, como alimentar e educar nossa cria, deixamos que monitorem nosso bebê no sagrado claustro uterino; que nos imponham um medo paralisante quando deveríamos estar em época de graça e encantamento por perpetuar a humanidade. Não somos mais as poderosas donas da Vida. Somos as coitadinhas correndo perigo e carregando um estorvo que nos tira a sensualidade e a vida social.

Deixamos que mintam para nos, descaradamente. Que digam que não iremos conseguir fazer algo para o qual nossos corpos foram moldados há milhares de anos para fazer, sem auxílio. Permitimos que transformem em patologias e regras, todas as exceções fisiológicas que acompanham os eventos sexuais femininos.

Realizam em nós a única cirurgia do mundo feita sem o consentimento do paciente: a episiotomia. Deixamos que nos digam em que posição ficar, a despeito do que o nosso corpo pede. Ouvimos piadinhas, brincadeiras de mal gosto, palavras de ordem, termos chulos e até cantadas, quando estamos suscetíveis e vulneráveis, em pleno trabalho de parto.

Sob a pecha de ‘fazer o que é melhor para nós’, tomam de nós nossos corpos e manipulam o nascimento de nossos filhos com drogas, manobras violentas, profilaxias duvidosas.

Permitimos que levem de nós nosso bebê recém-nascido, tão carinhosamente gerado e carregado no ventre por meses, para ser maltratado, ops!, analisado e deixado em solidão, correndo riscos os mais diversos. Permitimos que tratem nossa cria, para nós única e especial, como apenas só mais um entre dezenas de outros. Deixamos que deem a ela glicose ou leite artificial e não o nosso vital colostro.

Ficamos mudas, enquanto vemos propagandas que humilham e insultam a mulher, tratando-nos como objeto. Rimos dos gracejos machistas. Modificamos nossos corpos, muitas vezes a qualquer custo, para atender uma demanda opressora de beleza ou simplesmente agradar um homem. Ouvimos uma voz dentro de nós nos inclinar a dizer ‘bem que ela mereceu’ se vemos uma mulher pouco vestida sofrer violência sexual.

Deixamos nossos filhos com poucos meses de vida aos cuidados de outros, dilacerando nossos corações de mãe, mas porque não podemos sair do mercado de trabalho. Tiramos-lhes o peito porque alguém diz que seios são para pôr silicone e não armazenar leite.

Ainda usamos a maternidade como uma forma de promoção social ou, pior, como moeda de troca para manter um casamento infeliz. Casamento? Ainda sobrevivemos a casamentos por não suportar os olhares reprovadores lançados sobre uma mulher sozinha. Permitimos que um homem – seja ele pai, marido, irmão ou médico – seja responsável pelas nossas vidas, escolhas, saúde e felicidade.

Achamos absurdo o uso de burca em algumas culturas do Oriente Médio? Por aqui, a burca existe, só não é de tecido. É invisível, é dissimulada, vem sorrateira e, com nossa ajuda, nos toma a alma feminina.

E pasmem: não oferecemos nenhum tipo de resistência. Não gritamos, nem xingamos, nem nos revoltamos. Não denunciamos o médico que nos cortou o sexo sem nos consultar; não questionamos as indicações (cada vez mais folclóricas e menos científicas) de cirurgias para o nascimento dos nossos filhos. Não damos queixa do marido que violentamente nos oprime, dia após dia, pelas mais diferentes razões. Pior, vestimos a máscara da conivência com as mentiras, com o silêncio mortal, com a castração, ainda que velada, do feminino em nossas vidas.

Enfim. É triste, mas somos nós as maiores ‘machistas’ do mundo moderno.

Dia 8 de março? Nosso internacional dia...

Dia de tomar posse das nossas aptidões, da nossa liberdade constitucionalmente tutelada e exercê-la física e emocionalmente. Exercê-la no campo das idéias, das indignações, dos questionamentos.

Dia de nos libertarmos da cultura patriarcal que nos faz achar normal a mulher-objeto. Dia de chamar para nós a responsabilidade pelas nossas escolhas, pelas nossas vontades, pelas nossas opções e assumir o risco disto tudo.

Dia de promover o feminino, não para sub-julgar o masculino, caso contrário entraríamos, novamente, em desequilíbrio, repetindo o mesmo erro, na eterna guerra dos sexos.
É dia de celebrar, sim, com certeza! Por tudo que conquistamos até aqui. E é dia também de rasgar a invisível burca que nos oprime.


Imagem: Mulher afegã olhando através de sua burca.
Foto Natalie Behring-Chisholm (daqui)

14 de fevereiro de 2012

Amamentação: O desmame e a angústia do não falar...



por Cariny Cielo

eu poderia ter dito àquela mãe que quem estava perdendo era, principalmente, ela. Nada do manjado papo de que o 'leite materno é o melhor alimento'... todo mundo já sabe disso.

depois de cerca de 4-5 meses de amamentação exclusiva, estava ela, à minha frente, dizendo que havia desmamado seu bebê e que estava tomando medicamentos para parar a produção do leite materno.

quem perdeu? os dois, certamente! O bebê não receberá mais sua dose diária de vacina, nem aquele colinho único de peito de mãe... mas a mãe perdeu mais!

eu poderia dizer para ela que a amamentação, nos dias de hoje, seria uma das poucas vivências femininas autênticas que ela teria para desfrutar. Num mundo de cortes na barriga para nascer e gestações monitoradas, amamentar é o que resta para muitas mulheres...

eu poderia ter insistido com ela que todas aquelas mastites de repetição no seio direito, em verdade, queriam dizer alguma coisa, mas nunca que ela deveria suspender a amamentação natural.

não, não era a mastite. Era seu bebê desesperadamente clamando por contato. Não digo nem contato físico, ele queria conexão emocional, espiritual, energética com essa mãe. Eu poderia ter dito isso a ela.

é, eu poderia sim ter dito que amamentar é se fazer fêmea, selvagem e única e que isso tem um preço. Que era preciso despir-se das inúmeras máscaras que colocamos todos os dias para os mais diferentes tipos de pessoas e situações e sermos apenas nós, assustadoramente verdadeiras, em carne-viva.

eu poderia ter falado que o puerpério desvela em nós os véus que colocamos para maquiar nossas vidas e nos expõe nua, em pelo. Que nossa sombra, aquela parcela de nós que não gostamos, não queremos ver, vem com força arrebatadora, construindo e destruindo... e, para quem quiser aproveitar a tsunami, é o momento de salvar a si mesma e ser mulher, talvez pela primeira vez na vida.

e eu deveria ter dito que amamentar dá medo. Sim, é assustador constatar a simplicidade da vida em tempos de artificialidade. Assusta ver que eles vivem e crescem durante seis meses a despeito de qualquer coisa criada pelo homem! "Como isso?", diriam algumas. "Eu precisei de artifícios para engravidar; eu fui analisada mês a mês com aparelhos de ultrasom; no dia determinado pelo médico eu fui cortada e me entregaram um bebê avaliado, pesado, medido, asseado; e, agora, eu não preciso de mais nada para criá-lo? Só o leite que me verte?".

dá medo confiar num seio tão diferente da mamadeira graduada. Quanto ele mamou? Como mamou? Não importa... a natureza fez de uma maneira que fosse irrelevante fazer estas perguntas.

eu poderia ter argumentado ainda que o bebê não mama apenas leite, ele mama amor, energia, fluidos sutis da mãe, quando está no seio. Não é só leite; é amor, confiança, resiliência, fé na vida... assim ele mama. Alimenta seu corpo e sua alma.

é, eu talvez tinha que ter dito que se tratava, ali, do início de uma separação que deveria ocorrer somente por volta dos dois anos. Que, com alguns meses, o bebê ainda é fusão pura, simbiose pura. Ele é o que ela é. Ele está como ela está e que isto seria um maravilhoso mecanismo de crescimento pessoal.

seria um passo sem volta, eu diria a ela. um passo que provavelmente vá doer quando este mesmo filho, já adolescente, mostrar completo distanciamento desta mãe, enquanto ela volta a linha do tempo na cabeça e se pergunta onde errou.

eu poderia dizer que choro de culpa que ela demostra agora na minha frente por "tadinho", "tirar o leitinho dele" é, na verdade, o choro da mulher que ela poderia ser. O choro de todo o potencial de amadurecimento, de libertação, do que ela deveria perseguir e não quis. É o choro, na verdade, da vergonha de não enfrentar, de não fazer as perguntas difíceis, de optar pelo mais fácil e mais cômodo. É a dor de não crescer. Esta sim, mais doída e muito mais exigente do que a dor de enfrentar e seguir adiante.

dentro daquela mulher cheia de argumentos superficiais e paliativos médicos para desmamar sua cria, uivava uma loba sedenta de feminino...

mas eu não disse nada.

ouvi toda a estória das mastites, dos antibióticos, do bebê não querer 'mamá', dos bicos escoriados, do início das papinhas e do leite artificial, do veredicto médico...

ouvi tudo, muda, sem tecer uma só palavra, apenas assistindo, com pesar, o desmoronar da fêmea... talvez deveria ter dito algo. Talvez deveria ter, como 'procuradora constituída', falado em prol do bebê. Quem sabe eu deveria ter gritado com ela, batido na mesa, arregalado aqueles olhos, rosnado... mas não, só consegui fazer sair um "eu entendo" minguado e atônito.

minha tristeza não foi nem tanto pelo bebê; ele escolheu a mãe que tem e, do ponto de vista nutricional, ele vai seguir muito bem. Será um bebê amado e feliz.

doeu-me a amiga, a mulher, a mãe que estava ali na minha frente, presa em uma armadilha sutil, abrindo mão, deliberadamente, de crescer.




Imagem daqui

30 de janeiro de 2012

Maternidade Atvida: Quando é que aprendemos a fingir?


por Cariny Cielo

Minha mãe diz que meu filhos caem muito... eu prefiro achar que eles brincam muito. Realmente, é dodói para todo lado. Raladinho, topada, arranhões, galos na cabeça enfim. Criança selvagem. Lembro bem de quando criança não poder brincar com os meninos de rouba bandeira ou de pega-pega porque eu era uma moça e tinha que preservar a estética das minhas pernas. Claro que eu não obedecia e estou aqui crescida, mulher e cheia de lembranças sapecas de infância.

É difícil o mundo asséptico e preciso aceitar um menino selvagem e autêntico! Menina então, nem pensar. A sociedade quer crianças que durmam cedo, acordem bem, comam tudo do prato sem se sujar, não gritem, não corram, digam bom dia-obrigada-com licença e não incomodem. No entanto, vamos combinar que nem mesmo nós, adultos, conseguimos dizer um 'bom dia' todos os dias, mas aprendemos uma tática infalível que vem com a idade: fingir!

Agregamos anos à vida e adquirimos, como que por mágica, a capacidade de fingir. Quando isso acontece? Quando é que aprendemos que a mentira é melhor, o disfarce é mais fácil e a dissimulação é a bola da vez?

Porque, convenhamos, o que incomoda na criança não é nada mais, nada menos do que sua autenticidade. A criança é assim, pura e verdadeira, ainda sem as carapaças 'politicamente corretas' que o tempo trará.

Se estão bem dizem sorrindo; se estão mal, ficam quietas emburradas. Se querem cumprimentar, dizem 'olá'; senão, demonstram que não querem conversa. Não ligam pra roupa nova e branca que a mãe colocou, querem é pular nas poças d'água - é mais legal. Se a comida está ruim, não comem. Se não gostaram de uma coisa, vão dizer... simplesmente assim.

A vida seria bem mais simples se aprendêssemos a SER como as crianças, mas parece que vamos embrutecendo com o tempo...

Aprendemos a dizer sim, querendo dizer não. A tratar da vida do outro, sem o outro estar presente. A odiar, a julgar, a maldizer sem o devido direito de defesa. Fazemos isso todos os dias, automaticamente. Acharíamos um absurdo alguém ir para cadeira sem ser processado pelo judiciário, mas fazemos isso todos os dias, o tempo todo, com todo mundo. Com o desconhecido, com o irmão, com o amigo, com o inimigo, com o colega do trabalho... que lixo carregamos!

Se essa não é nossa essência, pois não vemos crianças fazendo isso, quando é que nossas vidas são corroídas pelo falso? Quando é que a criança começa a dar lugar ao fingidor? Quando é que a mentira ou, pior, o silêncio venenoso, passam a ser a melhor saída?

Uma coisa é certa! Tomaríamos menos remédios se apenas exercitássemos a capacidade de dizer a verdade. Uma velha sábia, amiga minha, disse-me algo certa vez que tem todo sentido: "se todos no mundo cuidassem tão somente de suas próprias vidas e se preocupassem em fazer sempre o melhor e mais verdadeiro para si mesmos, todos os problemas estariam resolvidos". Cada qual caminharia no seu nível de evolução, com suas escolhas, sendo autênticos.

O mundo precisa de terapia! Não num plano geral, mas quero dizer num nível nuclear, dentro do seio da família, dentro de cada um... é questão de saúde pública! Inúmeras doenças seriam extintas se as pessoas aprendessem a ser verdadeiras, a falar, a se comunicar de maneira saudável. Livres de preconceitos, julgamentos e mágoas, como as crianças. O a mentira que vive nos subterrâneos dos corações das pessoas as envenena, dia após dia... não surpreende que, anos depois, um câncer tenha se instalado naquele corpo envenenado. Muito pior que os agrotóxicos, que nicotina, que cocaína, que monóxido de carbono!!! O que nos mata vem de dentro, bem de dentro de nós. A guerra mundial nasce no coração envenenado pela mentira, pelo julgamento, pelo rancor, pela dissimulação de cada um. Pagamos com nossa vida o preço alto de não sermos autênticos.

Agora se tudo isso é tão ruim, é tão nocivo, quando e como aprendemos a viver desta maneira?

O mundo capitalista valoriza sempre mais o que está por fora, em detrimento da essência das coisas. Quando crianças somos bombardeados por mensagens deste tipo. As mulheres, então, mais ainda. Crescemos e vamos aprendendo na escola, na família, no círculo de amigos, que a sociedade só bem aceita alguém que sabe mentir. É como se essa pessoa tivesse o poder mágico de nunca demonstrar o que realmente tá sentido, tá pensando, tá querendo... e isso a fizesse ter sucesso no meio social.

Claro! De cedo, nos mostram que dizer a verdade é ruim. De cedo, deixam de se interessar pelo que realmente estamos sentido. Ainda crianças vemos que a ninguém interessa quem realmente somos, mas quem aparentamos ser. E assim, ano após anos vamos agregando fingimentos e falsidades na nossa existência... ao preço de nos afastar de nossa essência! Que saudade de ser verdadeira e livre como as crianças!

Essa saudade, que vem da alma, se manifesta em nossos corpos das mais diferentes formas, com os mais diversos sintomas e, seguimos assim: falsos e medicados!

A vontade de se conhecer e de ser verdadeiros é tão grande que muitos enlouquecem e mergulham nas patologias modernas... afinal, é muito mais fácil esquecer uma vida inteira de mentiras através de um mal de Alzheimer, do que admitir que nunca tivemos a capacidade - ou mesmo a oportunidade - de ser nós mesmos.

Outros sentem esse chamado do fundo da alma e seguem em busca de auto-conhecimento, de tratamento, de cura, mas é a minoria. A grande massa ainda prefere tomar um comprimido e seguir empurrando a falsa vida ano afora...

Se hoje eu pudesse desejar algo, se fosse minha única prece, eu desejaria ter o dom de me manter criança verdadeira e selvagem, como meus meninos, a despeito do que a hipocrisia do mundo me apresentasse.

Criança linda que dança no vento
Desejo teus olhos puros que só veem luz
Almejo tua jovem boca sábia
Cheia de sabedoria, fala o que vem do coração.

Quero tuas mãos belas e autênticas
que dizem sim aos chamados da alma.

Que meu respirar seja como o teu
que sente o inebriante perfume de tudo
E que meus ouvidos vibrem pelo que é bom.

Delícia de ser genuíno, tua verdade me encanta.
Faz-me bela em palavras, pensamentos e ações
assim como és, por essência.

15 de janeiro de 2012

Maternidade Ativa: “Calcem os chinelos!”


por Cariny Cielo

Certo dia, dei-me conta de que o que mais meus meninos ouvem de mim, durante um dia comum, é: “calcem os chinelos!”. Bem mais do que “eu te amo”. Bem mais do que “você é muito querido”. Bem mais do que tantos elogios e palavras carinhosas que posso, como mãe que ama, dizer.
Mas, se todas as mães como eu, amam, porque não dizem tanto? Porque nosso cootidiano não é açucarado de palavras amorosas e declarações de amor?

Afastadas de nossa feminilidade – que nos daria doçura – entramos na maternidade coroadas pela razão, ou seja, masculinas. Assim, multiplicam-se os livros, manuais, cartilhas, palpites e orientações de profissionais que estão, quase sempre, acima do nosso sentimento mais primitivo de mãe.

Essas orientações tomam conta da maternagem. Não faltam instruções sobre como, quando e quanto o bebê deve dormir; como, quando e quanto os filhos devem comer; como, quando e quanto devem chorar. Jeito de ir para a escola, jeito de largar as fraldas, jeito de se vestir, jeito de tudo... Não! Hoje, não criamos nossos filhos como queremos e sentimos, na essência, que devemos criar. Criamos como nos dizem. Fazemos, mesmo que inconscientes, uma salada de tudo que ouvimos, lemos e... voila, está pronto nosso jeitinho masculino de ser mãe.

Eu me orgulhava de dizer que meu primeiro filho dormia sozinho e hoje estou eu a ser acordada todas as noites com ele me requisitando, já com quase 5 anos. O outro, que teve seu tempo de ser bebê, de ser ninado em nossa cama, dorme, agora sim, a noite toda! Infelizmente, deixei-me levar pelos manuais, apesar do coração dilacerado e achar tudo um contrasenso. Mas, eu queria acertar! Queria ser perfeita! Queria cumprir as regras!

Ledo engano! Maternar é não ter regras, é não querer ser perfeita, reta, angulosa, matemática. Pois isto é do masculino. Feminino é irregular, imprevisível, cíclico, novo, é redondo, é quente, é do toque, do contato...
Hoje, vejo, atônita, a infância de meus filhos passando por mim e eu com sede de provar de cada bocadinho, com aquela sensação de que vai acabar logo algo muito, muito bom.

Sim, vai acabar, vai passar! Não nos pertence, é do mundo das lembranças. Assim como foi a nossa para nossos pais. Assim como é a infância da humanidade para o mundo. A infância deles terá passado enquanto a gente ficou preocupada com que calcem os chinelos, durmam cedo, comam o bastante, não xinguem e não se sujam. E nós? Nós ficaremos com aquela sensação amarga de que faltaram muitos beijos naqueles cabelos fininhos. De que não olhamos o suficiente a boquinha linda tentando articular uma estória e nos contar com entusiasmo. Enquanto estivermos quebrando a cabeça para fazê-los dormir ‘conforme os manuais’, perderemos de ver e curtir o quanto ficam desajeitadamente fofos de pijama e não sentiremos o calor que emana de seus corpos, nem aqueles olhinhos lindos fechados.

O que dizer dos bebês então? Anotando mamadas, deixando chorar... tudo no afã de discipliná-lo. Logo, logo passará a maior de todas as experiências: a de cuidar de um bebê! Seu filho, na versão totalmente dependente e simbiótico. O que é considerado trabalhoso e cansativo só o é porque a puérpera vive bombardeada com ‘como criar um bebê’ e não se entrega, verdadeiramente, àquela vivência. Ver um filho, bebê, dormir ao colo, adormecer lentamente, entregar-se ao soninho dos anjos é a mais profunda, maravilhosa e prazerosa experiência. Um privilégio, um presente sagrado... por muitas mulheres deixado de lado para cumprirem a regra de ‘nunca dormir no colo’. Porque não dormir no colo? É uma delícia! Que mulher não adoraria adormecer no colo do amado? Ouvindo o som do coração, o calor do corpo, o ritmo da respiração. 

Mas não, nunca deixe seu bebê amado, aquela obra perfeita da natureza, sua imortalidade, dormir ao som do seu respirar!!! Quanta bobagem!!! Eu diria mais: é a morte do feminino que produz tais absurdos. Diga a uma mãe que nunca ouviu nem leu conselhos que faça o que sentir que é certo com seu bebê e ela seguirá confiante e feliz. Agora entregue a ela um livro e coloque os especialistas para dizerem o que é melhor para o bebê e você terá uma mãe angustiada, falida, sem auto-estima.

Seu bebê vai crescer e, um belo dia, quando você, nostálgica, quiser colocá-lo no colo para niná-lo ele não caberá mais nos seus braços ou pior, não se sentirá conectado com você ao ponto de se entregar ao carinho caloroso. Vemos muitas mães queixando-se de seus adolescentes com atitudes frias, distantes, desconectados da família... será que estes mesmos adolescentes não choraram sem consolo em um berço? Será que não perderam uma fase preciosa de contato, de calor humano, de reforço do afeto? Quem sabe... ninguém jamais saberá...

Não se está aqui fazendo apologia à total anarquia, e sim lembrando que existe uma delícia na infância em não se fazer tudo exatamente como a mãe manda ou o pai obriga. Caso contrário, onde estarão aquelas memórias deliciosas do bolo que comemos quente, da chuva que tomamos mesmo gripados, de fugir pra debaixo da cama dos pais? E até mesmo de pisar na pedra, machucar o pé e ouvir da mãe: “eu falei para calçar os chinelos...”.

Eu decidi falar mais “eu amo você” e menos “calce os chinelos, raspe o prato, vá dormir, vista a roupa, tome banho”. Escolhi ninar mais, colocar no colo, beijar, cheirar... resolvi, corajosamente, deixar correr solta aquela infância gostosa que nos faz reviver a nossa própria e nos faz rir, rir de nós mesmos, rir do óbvio, rir do mundo.

Costumamos dizer que ser mãe é doação. Que nada! São eles, nossos filhos, que nos dão a oportunidade única de concebê-los, gerá-los e apoiá-los na jornada desta vida. São eles que nos dão, todos os dias, infinitas oportunidades de crescimento pessoal. São eles que nos mostram quem realmente somos, sem máscaras. São eles que nos dão sua deliciosa infância para a gente rir no final de um dia nada fácil neste mundo… nada fácil. São eles que nos aceitam como somos e nos fazem evoluir por não ser como gostaríamos que fossem. São eles que nos brindam com a juventude e a delícia de se ver em continuação. São eles que coroam nossa existência, eternamente e sempre e sempre…

De qualquer maneira, sob qualquer prisma, eles terão sempre nos dado muito mais.

23 de dezembro de 2011

Puerpério: O dia depois do parir...


por Cariny Cielo

Demorou! Demorou bastante para eu me sentir novamente e traçar palavras. O parto é um ápice dilacerante que nos parte, nos reparte, dos divide e, no paradoxo da vida, nos une ao que somos verdadeiramente e ao ser que colocamos no mundo.

Embora a sensação inebriante de conquista e felicidade esteja permanentemente guardada dentro da gente, para todo o sempre, o dia depois do parir traz mudanças muito pontuais na vida da mulher. Somos impelidas a estar magras, lindas, sorridentes, disponível, cuidando de tudo, como sempre fomos. Mas não! Não é assim... Não é para ser assim. A natureza planejou diferente. Criou um bebê prematuro e um esquema de amamentação continuada que vincula fortemente a mãe a sua cria e à necessidade de parar, de frear, de largar tudo e virar bicho, de novo.

Depois de parir ainda estamos em simbiose com um ser totalmente novo. Os três primeiros meses são recheados de vivências. É o quarto trimestre. Curiosamente, quando fomos se aproximando dos 3 meses, eu e o Cassiano começamos a sentir coisas diferentes. Eu passei a me reconhecer novamente, aos poucos, a relembrar o parto, a relembrar a gravidez, a olhar no espelho e dizer: Essa sou eu! Eu passei a sentir na carne a mesma vivência dos exatos três meses atrás e depois relembrar o dia que, feito mágica, o Cassiano pediu-me permissão para vir...

Toda a minha jornada da gravidez foi refeita. As lutas para gestar e para parir. Tudo que construí e tudo que se destruiu na minha frente, a despeito de mim...

Ontem, há 3 meses, o Cassiano nasceu em paz. E somente hoje, 12 semanas depois, eu consigo juntar os pedacinhos de mãe, mulher, ser humano e fechar mais este ciclo. Ele continua minha sombra. Mostrando-me e apontando-me, no 'quê' de tudo.

Meu jardim não está tão bem cuidado como quando eu estava grávida. Também não consigo mais me imaginar bordando bonequinhas como fiz no chá de bebê. O guarda-roupa não está em ordem. As unhas ainda estão por fazer. Nem sempre eu lembro de passar batom ou o blush. As roupas ainda me caem estranhas, como que saídas de outro mundo. Ora estou sem apetite, ora faminta. Quase sempre não sei ao certo o que exatamente quero comer. O sono ainda é saltado, mesmo quando o bebê sequer me chama. À noite os sonhos me deixam louca, embora eles não me trazem tanto impacto como quando eu estava gestando. Ainda não consegui começar a ler nada. Foram meses de leituras dirigidas ao meu momento grávida e para o parto, agora, falta-me opção. As músicas me envolvem diferente também. Quando escuto as seleções de quando estava gestante elas me soam distante de mim, embora guardem uma calorosa lembrança.

A barriga nos protege. É como um escudo mágico e com ela vivemos em outra dimensão. Levamos meses para nos acostumar com a ideia da gravidez mas com o parto é diferente. Em um instante somos uma, piscamos os olhos, e lá estão dois seres. Não há etapa, não temos tempo para ir assimilando a ideia... não! Só há a rasguidão do parto.

E depois, desprotegidas e vulneráveis, cai em nossas mãos aquele bebê mágico, tão lindo quanto completamente estranho. Tão íntimo por sair de nosso claustro, mas tão completamente individual e único. É, ele está aqui! E a mãe? Onde está? Está no puerpério... nome estranho para uma época igualmente estranha. No limbo feminino entre ser mulher e ser mãe. Ainda não somos nós, mas não somos mais grávidas. Está tudo em carne-viva, como me diria uma amiga! Podemos ter quantos filhos for, mas sempre um novo parto nos levará para um novo 'xeque-mate' de vida! Não mais a grávida e seu escudo protetor, nem ainda a mulher de sempre. Uma mãe. Somente e totalmente.

Viverei assim? Poderei gerar? Poderei parir? Conseguirei cuidar dos filhos? Darei conta do meu trabalho ou das minhas vocações? Será que ainda quero isso? Ou será que ainda quero aquilo? Que bicho doido que vira uma mulher no pós-parto...

Mulheres! Não atendam à demanda patriarcal de sair do pós-parto e virar mulher-maravilha! Mergulhem dentro de si, sem medos. Façam-se as perguntas devidas, mesmo as mais difíceis. Adocem a voz, a pele, o olhar e ninem seu bebê. Ninem a si mesmas sabendo dizer 'não' e respeitando-se.

Deixem que a louça espere, o jardim siga sozinho, o corpo se adapte, o sono venha em qualquer horário, a fome seja desregulada, o sexo vire namoro... enfim... deixe o mundo correr no ritmo dele e você, imprima o seu próprio ritmo!

O dia depois do parir é assim! Voltam a nós todas as nossa profundas questões. O que sou, exatamente? Ainda não sei. Mas, hoje, só posso dizer que sou uma puérpera...

22 de outubro de 2011

Relato de parto: Nascer em casa, nascer em paz...


por Cariny Cielo

E eis que o “Dia da árvore” chegou. Amanheceu 21 de setembro e minha comunhão com o bebê era tanta que eu já pressentia que algo estava por vir. Acordei e quando fui ao banheiro, o anúncio: sangue. A visão me trouxe euforia, como se uma grande festa estava começando. Contei pro meu marido que havia ‘chegado a hora’. Era para ele se preparar. Fomos, os dois, em um dos médicos que me acompanhava no pré-natal e, no exame, eu já estava com 3-4 cm de dilatação. Pronto, era este dia! O grande dia!

Eu oscilei entre chamar assistência (que viria de Porto Velho, capital, há 470 km), ou ficar somente eu e meu marido. Hoje eu vejo que apenas não queria admitir para mim mesma, para a minha parcela racional e masculina, que queria mesmo era parir sozinha. Meu marido me ajudou a dar um decisivo passo me dizendo: “ou vai ser só nos dois ou iremos pro hospital”. No fundo eu sabia o que isso queria dizer: seria só nos dois, pois hospital nunca foi uma opção para mim. Há meses, quando me vi grávida, eu sabia exatamente onde e como o bebê, aquele ser de luz que estava nos escolhendo, queria nascer.

Precisei fugir para a mata para me permitir. Sim, peguei meu carro, no fim da tarde, e fui para um hotel de selva. Fiz toda uma trilha ecológica, sozinha, chorando, pensando, meditando... acompanhei o pôr do sol, repetindo para mim: “quero porque é certo!”. Lembrei do livro “Ciranda das Mulheres Sábias” que resolvi ler faltando dias para o parto. Conversei com a Mãe Terra, me senti canal, virei mulher, virei sábia e quando cheguei em casa, à notinha, abracei meu amor, nos emocionamos juntos com tudo que estava por vir. Os filhos maiores entraram na energia e também integraram a emoção.

Éramos mesmo, agora, somente eu, ele e nosso filho. Às 22:54 minha mensagem para a Thayssa, minha doula à distância: “to indo tentar dormir, me deu um sono louco, tá de 10 em 10 min. perdi o tampão”. Às 02:00 alguma coisa me acorda e, pronto, chegou minha hora, a nossa hora. O Uillian me vê e pergunta se eu quero algo. Ele liga música, busca algo para eu beber e, pronto, a jornada do nascimento estava dando início.

Despedi-me do dia 21, passei a madrugada em trabalho de parto. Acredito que a natureza foi muito benevolente comigo, pois em momento algum tive contrações muito próximas ou muito dolorosas. Aliás, lembro de volta e meia pensar: "cadê a dor? cadê o ritmo?". Cheguei a achar que sequer estava em trabalho de parto verdadeiro, já que foi tudo muito suave, muito misterioso mesmo. Eu dormia profundamente entre as contrações e, num dado momento fiquei sentada na bola e encostei minha cabeça na cama, foi uma delícia e acho que ajudou o bebê a ir se encaixando. Meu marido cochilava junto comigo, quando dava.

Eu sabia que devia me movimentar, ficar na vertical... lembrava de tudo que eu havia gravado fundo na minha mente. Era como se agora eu agisse automaticamente, como resultado do que eu tinha aprendido e apreendido. Era muito reconfortante, me sentia segura, em terreno conhecido.

Fui ao banheiro diversas vezes. Caminhava pelo meu quarto, pelo meu território, com o meu cheiro. Olhava aquele cenário que durante meses eu gravei, visualizei e sonhei. Não havia outro lugar no mundo onde eu deveria estar, que não ali. Não havia outras pessoas a me acompanhar que não o meu homem, o meu eleito. Estava tudo perfeito! Via aquela mulher, no espelho, nua e olhava aquela barriga linda e dizia: Adeus...

Depois da cada contração, o bebê se movimentava e isso me deixava ainda mais solta e relaxada. Uma comunicação mesmo, uma conexão. Estávamos juntos naquela viagem de partida e de chegada. “Deus meu, como eu sonhei com este dia...”

Quando fiquei me sentindo confusa e cansada e, principalmente, ainda achando que as coisas não estavam engrenando, olhei pra janela do banheiro, vi que estava amanhecendo. Pedi pro meu marido a banqueta de cócoras que eu havia mandado fazer e fui pro chuveiro quente. Não tenho a menor noção do tempo que fiquei lá, completamente em transe. Meu marido aproveitou para dormir. Eu acredito que nesta hora eu estava bem na fase de transição, chegando aos 10 cm, mas era tudo muito suave, muito místico para mim.

Saí do chuveiro e deitei-me na cama com aquela sensação maravilhosa de calor do banho e apaguei. Lembro-me de dizer para o bebê que eu precisava de uma trégua, um descanso. E, sim, ele me respondia! Que milagre! E então, parou tudo, veio uma calmaria, feito bálsamo. Não sentia mais contrações nem desconforto e dormi profundamente. O bebê mexia o tempo todo. Sentia seus pés nas minhas costelas e sua cabeça pressionando meu baixo ventre. Acordei e disse pro meu marido que eu precisava ir ao banheiro. Era o período expulsivo começando...

Liguei pra Thayssa e disse que não sabia se era hora certa. Nem lembro direito do que conversamos, mas uma mensagem que ela mandou em seguida me deu uma estranha certeza, eram 08:38 da manhã: “Tenta relaxar e ouvir o que o corpo manda fazer. Observa se ele mandar empurrar, pode empurrar”. Acredito que eu estava com medo do incrível poder do meu corpo, do tsunami que estava por vir. Lembrei que li no livro do Deepak Chopra que “quando a mente serena, o corpo assume o comando”. Era o que faltava: me entregar às ondas gigantes e nadar, confiante, de braçadas.

Meu marido estava sentado na minha frente, me olhou firme e disse: "se é a hora, então vamos, me dá sua mão". E eu dei. Confiei naquele homem que havia me dito que seria a única pessoa que não iria me decepcionar. Sim, ele foi comigo rumo ao desconhecido. Ele manchou as mãos com o sangue do meu corpo e viveu comigo o evento mais feminino do universo. Ele foi meu esteio naquilo que sequer conhecia. Ele acreditou em mim, acreditou no invisível, acreditou no que estava completamente fora dele. É chegada a hora de cumprir o votos...

Fiquei de joelhos, exatamente onde visualizei o parto, dia após dias, durante meses. Abracei meu amor e lembro-me de, entre os puxos, dormir de lado, profundamente. Quando eles voltavam, o meu marido me aparava e nos abraçávamos novamente. Num instante ele sussurra no meu ouvido: “você está sentindo o bebê nascendo?”. E eu disse: “sim, põe sua mão, amor”. E ele sentiu o bebê coroando. Eu senti o círculo de fogo e apenas respirei completamente dominada pelas poderosíssimas forças ocultas da vida. Eu sabia, o Divino estava ali. Fechei os olhos e vi uma imagem que há dias atrás havia visto num site. Era gravura de uma mãe e seu filho, no momento da separação física, emocional e espiritual. Fiquei com esta imagem, me apeguei a ela.

Com um puxo a bolsa estourou e com mais uns três ele chegou! Tinha uma circular de cordão que meu marido tirou com a autoridade de quem faz isso a vida toda. Passou-me ele, com um olhar de orgulho que nunca vou esquecer. Eu limpei seu rostinho e imediatamente o colei no meu peito.

Não ouvimos gritos ou choros. Ele tossiu e fez um choramingo, só. Nos beijamos, beijamos o nosso filho e o sagrado nos selou. Sentimos a imortalidade, havíamos sentido, intensamente, toda a jornada da vida.

Não tive laceração, ele nasceu com 3.555 kg e 51 cm às 09:00 da manhã de um dia lindo! Meia hora depois do nascimento ligamos para uma GO que me acompanhava no pré-natal. Ela chegou, muito carinhosa acompanhou a dequitação da placenta (que agora está plantada no jardim). Meu marido acordou nossos outros filhos que acompanharam tudo, inclusive o corte do cordão umbilical. Não conseguimos filmar, não deu tempo ou não era para ser. Aquele chorinho mágico... aquela cena surreal... tudo ficará ressoando para sempre na nossa memória, só na nossa, como um pacto sagrado. Gravada, profundamente, nas nossas células. Sem replay.

O bebê, de olhos fechados e com aquele cheirinho de bala, respirando bem rapidinho era a própria visão do Eterno. Foi mudando de cor, lentamente, nos meus braços, enquanto o cordão umbilical ainda pulsava, preso a mim e à placenta. Aqui estava ele. Nascido na mesma aura de intimidade com que foi, um dia, atraído para esta família. Veio do amor e pelo amor, ancorar neste lar, mergulhado em uma paz profunda. A criança encantada. O bem nascido.

Fiz viagens físicas e viagens emocionais. Sorri e chorei. Construí e destruí diversos castelos. Travei batalhas internas para admitir que queria o que era certo. Hoje, sei que defendi, acirradamente, os interesses do meu filho. E que perambulei pelo mundo dual que estou inserida lutando para ter respeito e dignidade no momento mais importante da minha vida.

Eu não faço apologia ao parto desassistido. Nem nunca quis que isso se transforme em uma bandeira. Lutei para conseguir atendimento. De qualquer forma, a maneira como as coisas aconteceram foi perfeita para a minha estória. Continuarei lutando por assistência onde me sinto mais segura e para garantir isso às mulheres que sentem igual a mim. Não quero que chamem isso de coragem. Não, não se trata de coragem. Estamos falando de fé!

Ele nasceu em paz e eu e meu marido renascemos.

11 de outubro de 2011

Oração da pequenina vida


Por Cariny Cielo

Deus, que num dia feliz, eu seja concebido e germine aconchegado no ventre de uma mulher de sorte. Que a notícia chegue radiante e encha de amor toda a família. Que esta mulher saiba que o melhor para mim é sua imaginação e alimentação. Que durante o primeiro trimestre ela cuide muito de toda e qualquer energia que se aproxime dela pois serei apenas um embrião, uma poeirinha de luz a se formar. Que nos meses seguintes ela procure ver o que é bom, ouvir e apreciar coisas belas, pensar sempre o melhor, curtir cada mudança, amar a mim e a humanidade pela dádiva de a eternizar.

Que ela não entregue a ninguém a confiança e fé na vida. Que não fique procurando anomalias, defeitos, doenças, síndromes, nem deformidades pois eu seguirei confiante de que sou exatamente como devo ser. Que nenhum médico me examine, mês a mês, com aparelhos frios e que minha mãe nunca acredite que me vê melhor na tela de chuviscos das máquinas do que quando fecha os olhos e me inspira.

Que a cada visita de pré-natal, ela seja respeitada, encorajada e valorizada pela imensa dádiva de carregar a vida em movimento. Que se faça nela apenas o necessário para manutenção daquilo que a natureza já faz com perfeição. Que ela seja sempre ouvida em seu desejo de parir naturalmente e onde se sentir mais segura.

Que ela procure se informar sobre como me alimentar da melhor forma possível, assim que eu nascer, para me receber de braços e peito abertos. Que possa contar com o apoio de grandes amigas, grandes mulheres e de uma família que forme uma rede calorosa de apoio.

Que ela seja amada pelo meu pai, com toda plenitude. Que desfrute das novas formas de amar com as novas formas que o corpo irá tomar ao longo dos meses e que esse amor chegue sempre até mim através de uma forma mágica de encanto e certeza de que sou bem vindo.

Que, finalmente, no dia do trabalho de parto, que ninguém a perturbe, ela e eu sabemos muito bem o que fazer. Que se ela resolver ficar em casa, que seja respeitada sua escolha e que nós recebamos toda assistência que temos direito, sabendo-se que o melhor lugar do mundo para nascer é em meio aos lençóis do quarto.

Que se ela resolver ter-me no hospital, que ela seja encorajada a acreditar em mim e si mesma. Que a recebam com respeito, deixe-a vestida como quiser; comer e beber o que quiser; que não maculem seu corpo com raspagens nem soro na veia, afinal, não estamos doentes.

Que ela possa adotar a posição e os movimentos que entender mais confortáveis pois assim poderei caminhar melhor pelos estreitos mágicos de seu corpo e seguir confiante. Que ajudem-na, se for preciso, a lidar com a dor dilacerante que vem da sensação de partir-se para que ela não precise de anestesia e eu possa continuar meu percurso com vigor e saúde.

Que não nos deixem a sós, com estranhos, mas na companhia de quem minha mãe confia e segurando a mão do meu pai. Que não apressem minha chegada. Eu sei, exatamente, a hora certa de chegar. Nada de episiotomia, nem manobras violentas, isto a fará achar que nossos corpos não funcionam bem. Que desliguem as luzes fortes e o ar-condicionado, pois quero sentir a suavidade de chegar e conhecer o mundo.

E, assim que eu chegar, deixem-me imediatamente na colo da minha mãe para que eu ouça o coração que me embalou eternamente. Que não me privem do sagrado sangue que me pertence e que ainda vem da placenta, deixando meu cordão umbilical pulsar até cessar naturalmente.

Que não façam exames e verificações invasivas, apenas me observem. Mais importante do que qualquer procedimento será eu conhecer e abraçar minha mãe. Deixe para me avaliar apenas me observando, na maioria das vezes apenas isto é o necessário.

Que se minha mãe precisar de uma cirurgia, que indicação médica seja verdadeira e muito bem explicada para ela e meu pai. Que tudo seja da mesma maneira respeitosa e digna que seria nascer naturalmente.

Que minha mãe possa me oferecer o seio ainda suada da emoção de me trazer e que eu possa mamar o tempo que quiser, da maneira que quiser. É meu sagrado alimento.

Que eu possa vir assim ao mundo, Pai, na exata medida que tu desenhastes para mim. Amém.

1 de outubro de 2011

Reflexões: Sobre partos e sobre riscos...


por Cariny Cielo

"Ah, você não tem ideia dos riscos que se corre tendo um bebê em casa". É o que se ouve por aí...

A institucionalização da cultura do 'hospital risco-zero' é tão grande que perdeu-se completamente a lógica nas análise. Quantas mulheres ouvem dos médicos, da família, da comunidade que ao se submeter a uma cesárea eletiva ela está assumindo um índice de riscos maior do que ter um parto natural em casa? Nenhuma! Ela caminha orgulhosa, certa de estar fazendo o melhor para si e para seu bebê. Não está!

Estatisticamente, os riscos de uma cesárea eletiva são cinco vezes maiores que o de ter um parto natural em casa. Interessante, não? Todos comentam horrorizados sobre a coragem de se ter um filho em casa! Mas, não se trata de coragem, se trata de bom senso. O parto resultante de uma gravidez de baixo risco será muito mais seguro em casa do que em um ambiente hospitalar.

É preciso coragem, sim, para se submeter a uma cirurgia de alta complexidade por pura comodidade, conveniência... É curioso observar que em todos os outros aspectos do tratamento humano, a opção pela via cirúrgica é sempre em último caso, depois de se tentar todas as outras formas de atuação, ao passo que, para nascer (um evento puramente fisiológico), escolhe-se logo: cirurgia!

Se as mulheres tivessem real conhecimento dos ricos, a cirurgia voltaria a ser ministrada nos índices sugeridos pela Organização Mundial de Saúde, por volta de 10-15%, e não nos assombrosos 67% que tivemos em Rondônia, por exemplo.

A distorção está em acreditar que a cirurgia é o caminho mais seguro! Não é. Talvez seja o mais cômodo para os obstetras que deixaram de ser parteiros para serem cirurgiões. Mas duvido que algum tenha coragem dizer que a cirurgia é o melhor caminho para a mãe e o bebê: se disser, está sendo, no mínimo, anti-ético.
Curioso observar que os riscos de ter bebê em casa são infinitamente menores do que sofrer um acidente de carro, mas, mesmo assim, todo mundo continua viajando e ninguém faz um testamento a cada vez que enfrenta uma rodovia para viajar. Que distorção é esta? Corre-se riscos em tudo, não existe 'risco-zero', como querem fazer crer muitos médicos. A única diferença é que, no hospital, eles estão protegidos pelo espectro: qualquer morte no hospital é fatalidade, 'tinha que ser'; ao passo que qualquer morte em um parto domiciliar será sempre negligência! Uma completa distorção de valores e de análise de riscos.
O hospital como o vemos hoje, acreditem, não é o local mais seguro para uma gestante de baixo risco ter seu bebê. É o local mais seguro para tratar do que fugir do fisiológico, mas o menos adequado para garantir a fluidez do parto. Talvez com o tempo e a melhoria da qualidade no atendimento obstétrico, o hospital passe a ser um local apto a dar assistência ao parto natural e com a garantia de atendimento médico, se necessário.

O que vem destruindo o nascimento nos hospitais é a 'manipulação' que se faz deste. É o atendimento rotineiro, é transformar a exceção em regra.
Mesmo com todas as recomendações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde e com as evidências científicas, ainda se faz episiotomia de rotina, corte abrupto do cordão umbilical, separação da mãe e bebê após o nascimento, posição deitada para o momento expulsivo do parto, analgesia, isolamento da mãe, enema, tricotomia, jejum, limitação de movimentos, acesso venoso, roupinha de doente, violência verbal, descaso e desamparo da gestante. E, se depois de todo esse 'kit anti-fisiológico', a mulher não conseguir parir (o que acontece na maioria dos casos) dão-lhe a cirurgia como opção salvadora! Foi assim que o Brasil conseguiu se transformar em um fabuloso 'fazedor de cesarianas"...

Em muitos lugares do mundo as mães são assistidas em casa, onde se sentem mais seguras. A propóstio, a Organização Mundial de Saúde recomenda que a gestante seja atendida onde se sente melhor. Pode ser em casa, pode ser em um hospital, pode ser em casas de parto...
Com o devido apoio e respeito a grande maioria das mulheres preferiria parir, a serem operadas. No meu caso. Eu sabia exatamente onde eu estava. Conhecia as hipóteses, as alternativas... estava em terreno seguro.

Se eu corri riscos? Sim, corri riscos.

- Muito menores do que se tivesse escolhido fazer uma cirurgia; e 
- Menores do que sofrer um acidente automobilístico

Então, eu vou continuar buscando atendimento obstétrico para meu parto no local onde me sinto mais segura, particularmente, em minha casa.

Ah, e vou continuar tendo coragem de viajar de carro pelo Brasil afora, a despeito dos terríveis números anuais de mortes e acidentes!

Não, não se trata de coragem...  Estamos falando de fé!

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